Em mandado de segurança, TRF3 decide: é ilegal a negativa de BPC com fundamento genérico de que “autismo não é deficiência”
TRF3: Negar BPC dizendo que “autismo não é deficiência” é ilegal, decide 7ª Turma.
A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu parcial provimento a apelação interposta em mandado de segurança para desconstituir sentença que havia extinguido o processo sem resolução do mérito e determinar o prosseguimento da ação que discute a concessão de Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) a pessoa com transtorno do espectro autista.
O caso envolve menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID F84.0), representado por sua responsável legal, que formulou requerimento administrativo de BPC em 28/02/2025.
O pedido foi instruído com laudo médico e laudo social emitidos pelo próprio INSS, nos quais teriam sido reconhecidos impedimento de longo prazo e renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo.
Apesar disso, o INSS indeferiu o benefício sob o argumento de que o requerente “não atende ao critério de deficiência para acesso ao BPC-LOAS”.
Diante do indeferimento, foi impetrado mandado de segurança contra o gerente executivo do INSS, sustentando que:
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o autismo é expressamente reconhecido em lei como deficiência, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 12.764/2012 (Lei Berenice Piana);
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os requisitos do art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) estavam documentalmente comprovados;
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o mandado de segurança seria a via adequada para tutela de direito líquido e certo diante de ato ilegal da autarquia.
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O juízo de primeiro grau, contudo, indeferiu a inicial e extinguiu o mandado de segurança sem resolução do mérito, com base no art. 485, VI, do CPC, entendendo ausentes os pressupostos para a via mandamental. Contra essa decisão, o impetrante interpôs apelação, buscando a concessão da segurança, com implantação do benefício desde a DER, ou, subsidiariamente, a conversão do feito em ação ordinária.
Cabimento do mandado de segurança em matéria assistencial
Ao examinar o recurso, a relatora, Desembargadora Federal Inês Virgínia, iniciou retomando os requisitos constitucionais do mandado de segurança (art. 5º, LXIX, da CF), destacando que a ação mandamental é cabível sempre que o direito puder ser demonstrado por prova documental pré-constituída e a controvérsia não exigir dilação probatória. Em matéria previdenciária e assistencial, lembrou precedente da própria 7ª Turma do TRF3 admitindo o uso do mandado de segurança quando a discussão se limita a questões de direito ou a fatos comprováveis de plano.
No caso concreto, a Turma destacou que o objeto do mandado de segurança não era propriamente a produção de prova pericial em juízo para aferir, originariamente, deficiência e miserabilidade, mas sim a verificação da coerência entre a documentação administrativa já produzida e a conclusão adotada pelo INSS ao indeferir o benefício. Assim, a discussão se restringia à legalidade do ato administrativo à luz de documentos oficiais constantes dos autos.
BPC/LOAS, autismo e análise dos documentos administrativos
O acórdão relembra que a concessão do BPC exige a comprovação de dois requisitos: deficiência (ou idade mínima, no caso de idoso) e situação de vulnerabilidade econômica, nos termos do art. 20 da Lei 8.742/93. Em regra, essa aferição demanda perícias médica e psicossocial.
No entanto, a Turma chamou atenção para o conteúdo do “Detalhamento da Análise e Decisão de Requerimento de Benefício”, documento produzido no âmbito do próprio INSS. A partir dele, a relatora ressaltou que a autarquia:
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reconheceu, em tese, o atendimento de requisitos objetivos para o BPC;
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elaborou laudos médico e social que apontavam impedimentos de longo prazo compatíveis com o conceito de deficiência adotado pela LOAS;
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registrou renda familiar per capita dentro do limite legal.
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Apesar desse conjunto de elementos, o pedido foi indeferido com base em fundamento genérico, segundo o qual o requerente “não atenderia ao critério de deficiência” e que “autismo não é deficiência”. Para a Turma, esse tipo de justificativa se mostra incompatível com a própria legislação especial que reconhece o transtorno do espectro autista como deficiência (Lei 12.764/2012) e com a documentação produzida pela própria autarquia.
Tese sobre ilegalidade da negativa
No voto, a relatora sintetiza o cerne da controvérsia na tese de que “a negativa de benefício assistencial sob a justificativa genérica de que ‘autismo não é deficiência’ revela ilegalidade quando há laudos oficiais que atestam impedimento de longo prazo”.
Nessa perspectiva, a ilegalidade do ato administrativo decorre da incoerência entre os elementos constantes nos autos (laudos médico e social, renda e demais registros administrativos) e a conclusão adotada pelo INSS.
Parcial provimento e prosseguimento do feito
Ao final, a 7ª Turma concluiu que, no contexto dos autos, o mandado de segurança é via processual adequada para impugnar o indeferimento do BPC, uma vez que a controvérsia se limita à análise de prova documental pré-constituída e à verificação da legalidade da decisão administrativa.
Contudo, em vez de conceder desde logo a segurança para implantar o benefício, o colegiado optou por dar parcial provimento ao recurso, apenas para:
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desconstituir a sentença que havia extinguido o mandado de segurança sem resolução do mérito; e
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determinar o prosseguimento do feito, permitindo a análise do mérito da impetração à luz da documentação administrativa e da tese fixada.
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Na ementa, o Tribunal sistematizou três pontos centrais da decisão:
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o mandado de segurança é adequado para impugnar indeferimento administrativo de benefício assistencial quando a controvérsia envolver apenas prova documental pré-constituída;
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a negativa de benefício assistencial sob a justificativa genérica de que “autismo não é deficiência” revela ilegalidade quando há laudos oficiais que atestam impedimento de longo prazo;
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a demonstração, por documentos administrativos, do preenchimento dos requisitos do BPC/LOAS justifica o prosseguimento do feito, com afastamento da sentença denegatória.
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Fonte: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - 5000875-90.2025.4.03.6141, Rel. Desembargadora Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 07/11/2025. Acórdão.