Visão Monocular e BPC: Como Demonstrar as Barreiras para Garantir o Direito ao Benefício Assistencial

Visão monocular e BPC: mais do que diagnóstico, é preciso demonstrar barreiras sociais.

Introdução

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um dos principais instrumentos de proteção social no Brasil, garantindo renda mínima a pessoas idosas e com deficiência em situação de vulnerabilidade. Entretanto, muitos ainda têm dúvidas sobre os critérios de elegibilidade, especialmente no caso de pessoas com deficiência sensorial, como a visão monocular. Embora esse tipo de deficiência tenha sido expressamente reconhecido pela legislação, sua análise no âmbito do BPC exige atenção especial às barreiras enfrentadas no cotidiano, que vão muito além do diagnóstico clínico. Este artigo busca esclarecer a quem o BPC é destinado e como demonstrar, de forma técnica e eficaz, as barreiras vivenciadas por pessoas com visão monocular no processo de requerimento do benefício.

Quem Não Tem Direito ao BPC?

Antes de falarmos sobre quem pode receber o BPC, é importante esclarecer quem está fora do seu alcance. O BPC não é destinado a segurados do INSS, ainda que estejam no período de graça ou sejam segurados especiais. Isso porque se trata de um benefício assistencial, não contributivo, voltado exclusivamente àqueles que não possuem meios de prover a própria subsistência, nem tê-la provida por sua família.

Quem Tem Direito ao BPC?

O BPC é destinado a dois grupos:

  • Idosos com 65 anos ou mais, em situação de vulnerabilidade social;

  • Pessoas com deficiência, independentemente da idade, que comprovem impedimentos de longo prazo e baixa renda familiar.

No caso das pessoas com deficiência, o artigo 2º da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) define deficiência como:

“Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Essa definição é crucial. Não basta comprovar o diagnóstico médico: é preciso demonstrar como as barreiras do ambiente social interferem na vida da pessoa com deficiência.

A Visão Monocular como Deficiência

Com a promulgação da Lei nº 14.126/2021, a visão monocular passou a ser legalmente reconhecida como uma deficiência sensorial, do tipo visual. Isso representa um avanço importante, mas não encerra a análise do direito ao BPC.

O Tema 378 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) esclarece que, para fins de concessão do BPC, “Na análise do direito ao benefício de prestação continuada, a caracterização da deficiência da pessoa com visão monocular exige avaliação biopsicossocial, sendo insuficientes o diagnóstico do impedimento visual ou a perícia exclusivamente médica”.

Portanto, é fundamental que o advogado conheça as barreiras enfrentadas por essas pessoas para demonstrar, com estratégia, a limitação efetiva na participação social e justificar o direito ao benefício.

O Que Caracteriza a Visão Monocular?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), considera-se visão monocular a condição em que o indivíduo possui, devido a lesão ocular ou nervosa, visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, mesmo tendo visão normal no outro.

Essa condição provoca dificuldades na percepção de distância, profundidade e espaço, afetando diretamente a coordenação motora, o equilíbrio e a autonomia.

Barreiras Enfrentadas por Pessoas com Visão Monocular

A análise biopsicossocial exige a identificação concreta das barreiras que impedem a plena participação da pessoa com deficiência na sociedade. A seguir, destacamos as principais barreiras enfrentadas por pessoas com visão monocular.

1. Barreiras Urbanísticas

São aquelas presentes em vias, espaços públicos e privados de uso coletivo. Para pessoas com visão monocular, degraus, calçadas irregulares, escadas sem corrimão ou sinalização adequada podem representar riscos constantes.

A falta de planejamento urbano, como ausência de passarelas sobre vias de tráfego intenso ou a inexistência de pontes em regiões divididas por córregos, agrava a dificuldade de locomoção dessas pessoas. A deficiência visual parcial amplifica os obstáculos normalmente ignorados por pessoas sem deficiência.

2. Barreiras no Transporte

A depender do grau da deficiência, dirigir pode ser inviável. Além disso, a dificuldade em enxergar placas de trânsito, sinalizações e informações em terminais de transporte público compromete a mobilidade e a autonomia.

A carência de transporte público acessível, com sinalizações visuais e sonoras adaptadas, é uma das barreiras que mais impactam o dia a dia de quem tem visão monocular.

3. Barreiras na Comunicação e Informação

O uso de telas de celular, computadores, cardápios e livros pode se tornar desafiador sem recursos como letras ampliadas, contraste ajustado ou audiodescrição.

De acordo com a Lei nº 13.146/15, barreiras na comunicação e informação incluem:

“Qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação.”

A ausência de adaptações escolares ou profissionais é um exemplo claro de como essas barreiras podem limitar as oportunidades educacionais e profissionais dessas pessoas.

4. Barreiras Atitudinais

São comportamentos e preconceitos sociais que impedem ou dificultam a participação da pessoa com deficiência em igualdade de condições.

A falta de compreensão das limitações impostas pela visão monocular leva à ausência de adaptações e ao preconceito, especialmente no ambiente de trabalho. Muitas vezes, essas pessoas são estigmatizadas como menos capazes, o que limita suas oportunidades de inserção e crescimento profissional.

Esse tipo de barreira impacta diretamente a autoestima e saúde emocional, sendo comum que pessoas com visão monocular necessitem de apoio psicológico devido à exclusão social.

Além disso, as barreiras atitudinais podem agravar a situação de pobreza e vulnerabilidade, reforçando o ciclo de exclusão que o BPC busca combater.

Conclusão

O reconhecimento da visão monocular como deficiência visual pela Lei nº 14.126/2021 foi um marco importante. No entanto, para o acesso ao BPC, o simples diagnóstico não é suficiente. O processo exige uma análise biopsicossocial que demonstre, de forma clara e fundamentada, as barreiras enfrentadas diariamente pela pessoa com deficiência.

Este artigo evidenciou como as barreiras urbanísticas, de transporte, comunicação e atitudinais afetam a autonomia e participação das pessoas com visão monocular, inviabilizando, muitas vezes, uma vida em igualdade de condições com os demais.

O advogado previdenciarista, ao compreender essas nuances, torna-se uma peça fundamental na construção de um processo sólido e humanizado, capaz de garantir o acesso ao BPC como instrumento de dignidade e inclusão social.

 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14126.htm

https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/turma-nacional-de-uniformizacao/temas-representativos/tema-378

TELLES, Rodrigo. Casos práticos BPC-LOAS. 1. ed. São Paulo: Primeira Edição, 2024.



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