PDL 89/2023: A Tentativa de Interferência do Legislativo na Autonomia do Judiciário em Relação ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Julgamento com perspectiva de gênero: um passo essencial para a justiça igualitária no Brasil.

Em março de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 492, estabelecendo diretrizes para a adoção da perspectiva de gênero nos julgamentos do Poder Judiciário, com base em protocolos desenvolvidos por grupo técnico instituído pela Portaria CNJ nº 27/2021. 

A norma prevê, entre outras medidas, a capacitação obrigatória de magistrados e a criação de comitês voltados à promoção da equidade e à valorização da presença feminina no sistema de justiça.

No entanto, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 89/2023, propõe sustar os efeitos dessa resolução, sob o argumento de que o CNJ teria extrapolado suas atribuições constitucionais, adentrando matéria reservada à lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no art. 93 da Constituição.

Essa proposição legislativa, no entanto, além de distorcer o papel do CNJ, representa uma afronta ao princípio da separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal. Ao buscar invalidar um ato normativo interno do Poder Judiciário, o Legislativo se insere indevidamente na esfera de autonomia administrativa e normativa do Judiciário.

 

A Resolução 492/2023 como Ato Legítimo do CNJ

 

Criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o CNJ é um órgão de controle da atividade administrativa do Judiciário. Entre suas competências constitucionais, está a de editar atos normativos com vistas à padronização de condutas, promoção da eficiência e cumprimento de direitos fundamentais no âmbito da justiça. A Resolução 492/2023 não inova contra a ordem jurídica — ao contrário, concretiza diretrizes já reconhecidas internacional e constitucionalmente, como o combate à discriminação e a promoção da igualdade de gênero, expressos no art. 3º, IV, da Constituição.

Além disso, o CNJ atuou em conformidade com o que dispõe o Provimento nº 132/2022 da Corregedoria Nacional de Justiça, que já preconizava a importância de incorporar a perspectiva de gênero nas rotinas processuais. Portanto, a Resolução 492 apenas reforça políticas institucionais já consolidadas, dando-lhes eficácia nacional.

 

A Impropriedade Jurídica do PDL 89/2023

 

O PDL 89/2023 confunde normas administrativas internas com criação de obrigações legislativas. A capacitação de magistrados em temas como gênero, raça e direitos humanos não é uma inovação ilegal, mas sim uma extensão de princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e da igualdade substantiva.

A tentativa de sustar uma resolução administrativa com base em suposta "usurpação de competência" ignora que o CNJ não criou norma penal, civil ou tributária, tampouco invadiu competência legislativa. Sua atuação se deu no exercício regular de suas atribuições constitucionais, para assegurar que o Judiciário atue com sensibilidade às desigualdades estruturais que atravessam a sociedade brasileira.

 

Julgamento com Perspectiva de Gênero: Avanço, e Não Ideologia

 

A justificativa do PDL 89/2023 apresenta argumentos que desqualificam a perspectiva de gênero como uma “ideologia”, recorrendo a críticas à filósofa Judith Butler e negando a existência de desigualdades estruturais entre homens e mulheres. 

Essa abordagem contraria dados empíricos — inclusive do próprio CNJ — que mostram a sub-representação feminina no Judiciário, os diferentes impactos da justiça sobre mulheres e a revitimização constante de mulheres em processos judiciais, especialmente nos casos de violência doméstica e sexual.

Julgamento com perspectiva de gênero não significa subjetividade, mas sim reconhecer que mulheres, especialmente as mais vulneráveis, enfrentam barreiras sociais, econômicas e institucionais específicas. É aplicar a Constituição de forma substancial, considerando os contextos sociais que moldam a realidade das partes.

 

Conclusão: O PDL 89/2023 é um Retrocesso Institucional

 

A tentativa de sustar a Resolução 492/2023 por meio do PDL 89/2023 deve ser lida como um retrocesso institucional e uma indevida ingerência do Legislativo sobre a organização do Judiciário. O Parlamento, ao invés de suprimir iniciativas que visam à justiça com equidade, deveria contribuir para a promoção de políticas públicas inclusivas e comprometidas com os direitos fundamentais.

Em tempos de ataques à democracia e de questionamentos à legitimidade das instituições, defender o julgamento com perspectiva de gênero é defender o aperfeiçoamento do sistema de justiça brasileiro, tornando-o mais humano, eficiente e compatível com os valores constitucionais.

Julgar com perspectiva de gênero é julgar com os olhos abertos à realidade.

 

Colunista desde 2024

Sobre o autor desse conteúdo

Dra. Heloísa Helena Silva Pancotti

Diretora Cientifíca do IEPREV e Coordenadora da Diretoria de Amicus Curiae

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