BPC e Bolsa Família: O Impacto do Decreto 12.534/2025 e os Desafios para o Advogado Previdenciarista
Decreto 12.534/2025: novo critério de renda impacta acumulação entre BPC e Bolsa Fam
Introdução: Uma nova barreira ao acesso ao BPC
Com a edição do Decreto nº 12.534/2025, que alterou o Decreto nº 6.214/2007, uma mudança significativa afetou diretamente os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC): o valor recebido a título de Bolsa Família passou a ser incluído no cálculo da renda familiar per capita. Essa alteração, aparentemente técnica, pode gerar impactos profundos na vida de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Neste artigo, analisamos como essa mudança afeta o acesso ao BPC, quais são os caminhos possíveis para o advogado previdenciarista e estratégias para garantir a proteção dos direitos sociais.
1. Entendendo os Requisitos: Bolsa Família e BPC
Antes da alteração trazida pelo novo decreto, o cenário era o seguinte: embora o BPC fosse considerado no cálculo da renda para fins de Bolsa Família, o inverso não ocorria. Isso permitia, legalmente, o acúmulo dos dois benefícios, desde que preenchidos os requisitos de ambos.
Conforme o art. 5º da Lei nº 14.601/2023, são elegíveis ao Bolsa Família as famílias cuja renda familiar per capita mensal seja igual ou inferior a R$ 218,00.
Já para o BPC, além da condição de deficiência ou idade avançada, o critério de renda exige que a renda per capita da família seja inferior a 1/4 do salário-mínimo vigente. Antes do Decreto nº 12.534/2025, o valor recebido de Bolsa Família não era computado para essa análise.
2. O Impacto da Nova Regra: Aumentos na Renda Per Capita e Indeferimentos
Com a entrada em vigor do novo decreto, o cenário muda drasticamente. Ao passar a computar o Bolsa Família no cálculo da renda para fins de BPC, o número de indeferimentos na via administrativa tende a aumentar, visto que o principal critério de análise do INSS é a renda restrita a lei.
Essa nova interpretação, embora legalmente respaldada, contraria o próprio espírito do BPC e do Bolsa Família, ambos voltados ao amparo da população em situação de extrema pobreza.
3. Tema 187 da TNU: Estratégia Judicial para Superar Barreiras Administrativas
Abro um parêntese para destacar um ponto essencial que o advogado previdenciarista não pode ignorar: o Tema 187 da Turma Nacional de Uniformização (TNU). Esse entendimento é uma ferramenta estratégica valiosa para contornar indeferimentos administrativos que desconsideram a realidade social do requerente.
- (i) Para requerimentos administrativos formulados a partir de 07 de novembro de 2016 (Decreto nº 8.805/2016), quando o indeferimento do BPC pelo INSS se dá por ausência de deficiência, é desnecessária a produção judicial da prova da miserabilidade — salvo em casos de impugnação específica e fundamentada do INSS ou quando houver decurso de prazo superior a dois anos do indeferimento administrativo.
- (ii) Para requerimentos anteriores a essa data, se houve reconhecimento da miserabilidade na via administrativa, dispensa-se a prova em juízo, desde que não haja impugnação fundamentada da autarquia e o indeferimento não tenha ocorrido há mais de dois anos.
Na prática forense, sabemos que a perícia social pode ser comprometida por detalhes superficiais, como fotografias da residência anexadas aos autos, que não traduzem a realidade da família. Por isso, valer-se desse tema sempre que possível é uma estratégia eficaz e pode ser determinante para o sucesso da ação judicial.
4. Reação Legislativa: Projeto em Defesa dos Vulneráveis
Em resposta à mudança trazida pelo decreto, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para tentar sustar os efeitos da nova regra. Segundo o parlamentar:
“Não se trata de derrubar uma medida do governo, mas de garantir que esta parcela mais frágil da população não tenha seus direitos restringidos. (...) Não podemos permitir que essas medidas deixem os mais pobres desprotegidos.”
É importante ressaltar que o combate às fraudes deve, sim, ser uma prioridade. No entanto, não se pode permitir que, sob esse pretexto, os mais necessitados sejam os primeiros a pagar a conta.
5. Orientação Prática ao Cliente: Cautela e Estratégia
Diante das incertezas trazidas pela nova norma, o advogado previdenciarista precisa agir com prudência e estratégia já na fase administrativa. Caso, ao incluir o valor do Bolsa Família, a renda per capita da família ultrapasse o limite legal exigido para concessão do BPC, não oriente o cliente a cancelar imediatamente o Bolsa Família.
A sugestão é que, na petição administrativa, conste expressamente a oportunidade de o requerente optar pelo benefício mais vantajoso, caso ambos não possam coexistir. Essa manifestação antecipada resguarda o direito do segurado de receber aquele benefício que lhe for mais benéfico, ainda que isso implique eventuais deduções nos valores retroativos.
A prática mostra que as mudanças normativas nem sempre vêm acompanhadas de diretrizes claras e, por isso, cada caso exige análise individualizada e abordagem preventiva. Lembre-se: o processo administrativo é também um espaço de defesa de direitos.
Conclusão: A Luta Continua pelo Direito de Existir com Dignidade
O Decreto nº 12.534/2025 representa mais um desafio na longa trajetória de defesa dos direitos sociais no Brasil. Ao equiparar o Bolsa Família à renda formal no cálculo do BPC, impõe-se uma barreira significativa justamente à população que mais necessita de proteção.
O advogado previdenciarista, mais do que um operador do Direito, é peça fundamental na garantia de justiça social. Dominar temas como o 187 da TNU, compreender as nuances legislativas e acompanhar projetos como o do deputado Duarte Jr. são atitudes que fazem a diferença na vida de famílias inteiras.
A atuação estratégica, ética e humana é o caminho para transformar indeferimentos em concessões e desespero em dignidade. O BPC, para muitos, é o único prato na mesa — e defendê-lo é, acima de tudo, preservar o Direito à Vida.
Referencias Bibliográficas:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14601.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6214.htm
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