Tema 1300: Por que o Supremo precisa julgar já a injustiça que pune o inválido por doença grave
Tema 1300 no STF: quando adoecer vira punição previdenciária
O Brasil aguarda, com expectativa crescente, que o Supremo Tribunal Federal conclua o julgamento do Tema 1300. Não se trata de um debate técnico isolado. É, na essência, uma pergunta direta à consciência constitucional do país: é admissível que dois cidadãos igualmente inválidos recebam tratamentos completamente diferentes apenas pela origem do infortúnio?
Desde a Reforma da Previdência (EC 103/2019), quem perde a capacidade laboral por doença grave: Alzheimer, câncer, ELA, esclerose múltipla, sequelas permanentes de Covid... recebe 60% da média salarial. Já quem sofre um acidente de trabalho, mesmo que menos grave, recebe 100%.
Criou-se uma assimetria que não encontra respaldo na Constituição. E o STF, como guardião do sistema, é chamado a restabelecer a coerência e a justiça.
A sociedade confia no STF para corrigir essa distorção
A indignação é generalizada porque o problema toca diretamente o núcleo da dignidade humana. Quem fica inválido não volta ao mercado de trabalho. Não reconstrói renda. Não retoma autonomia. Sua vida passa a depender do benefício previdenciário, e justamente nesse momento é punido pelo modelo criado pela reforma.
Se o próprio ministro Flávio Dino, em plenário, exemplificou a irracionalidade do sistema, é porque o tema ultrapassou o campo jurídico e entrou no senso comum da população: não faz sentido proteger mais quem poderá voltar a trabalhar e menos quem jamais poderá.
Um exemplo que expõe o absurdo
Imagine João, 20 anos de contribuição, indo ao supermercado. José, vigilante recém-contratado, tem apenas um mês de INSS. Um assaltante entra no local e dispara dois tiros, atingindo os dois. Ambos ficam paraplégicos. Ambos jamais trabalharão novamente. Ambos terão a mesma limitação, a mesma dor, a mesma dependência.
Mas o Estado faz distinção, pois João com incapacidade decorrente de doença comum (o tiro não é acidente de trabalho) recebe 60%. Já José, com incapacidade decorrente de acidente de trabalho receberá 100%.
O agressor produziu a mesma lesão, a mesma gravidade, a mesma irreversibilidade. Mas a proteção estatal se divide, criando uma desigualdade que não nasce da Constituição, e sim de um recorte arbitrário da legislação infraconstitucional. É impossível justificar isso à luz da isonomia.
Se um mesmo ato violento gera duas vítimas iguais, não é lógico que o Estado ofereça proteção tão diferente.
A lógica previdenciária foi invertida
Outro ponto crítico: o benefício temporário (auxílio-doença) paga 91% da média, enquanto o benefício permanente (aposentadoria por incapacidade) paga 60%. Ou seja: a situação menos grave recebe mais proteção do que a mais grave. Isso é estruturalmente contrário ao que o sistema de seguridade pretende.
O STF tem reiterado, em diversos precedentes, que tratamentos desiguais só se justificam se houver fundamento racional, proporcional e constitucional. Aqui, não há nenhum.
As ADIs 2110 e 2111, julgadas recentemente, reforçaram o entendimento de que segurados em condições equivalentes devem receber níveis equivalentes de proteção, exatamente o que se discute no Tema 1300.
A urgência do julgamento
Cada mês de atraso perpetua injustiças. Pessoas inválidas, doentes e dependentes do benefício continuam vivendo com menos do que o mínimo necessário. São brasileiros invisíveis que jamais deveriam carregar sozinhos o peso de uma escolha legislativa equivocada.
A sociedade espera, e confia, que a mais alta Corte do país reafirme que a Previdência Social existe para proteger quem não pode mais se proteger. Que a Constituição não autoriza excluir, rebaixar ou punir quem adoeceu antes de completar uma carreira contributiva plena.
O Tema 1300 não é uma disputa contábil. É um debate sobre humanidade. Sobre qual país queremos ser e sobre como tratamos aqueles que enfrentam o maior grau de vulnerabilidade que um trabalhador pode conhecer: a invalidez definitiva.
O STF tem a oportunidade de reconstruir a coerência do sistema e reafirmar seu papel como guardião da dignidade humana. A equiparação entre incapacidade por doença e incapacidade por acidente não é um privilégio, é um imperativo constitucional.
O Brasil aguarda um desfecho justo. Os segurados aguardam uma resposta que lhes devolva dignidade. E a história espera que a Corte reafirme, mais uma vez, que ninguém pode ser punido por adoecer.