A dificuldade de reunir provas documentais para a concessão de benefícios previdenciários é uma realidade enfrentada por muitos segurados, especialmente quando falamos de atividade rural, em que o objeto da demanda, na maioria dos casos, é comprovar o trabalho rural desempenhado há muitos anos atrás.
De um lado, muito se experimenta dificuldade em apresentar início de prova material. De outro, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91 impede a comprovação de tempo de serviço por prova exclusivamente testemunhal.
Nesse cenário, muitos trabalhadores podem se ver prejudicados por falta de documentos.
Com um olhar atento a essa realidade, o Superior Tribunal de Justiça definiu importante tese jurídica no julgamento do Tema 629:
A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Assim, em caso de insuficiência da prova documental, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários.
Embora o caso analisado no Tema 629 veicule análise de atividade rural, a tese firmada é ampla e pode ser aplicada a todas os casos em que a falta de prova material inviabilize a formação válida do processo, não se restringindo às questões de atividade rural.
Para melhor entender o alcance da tese do Tema 629/STJ, vejamos situações típicas em que ela pode ser aplicada:
Imagine o segurado que ajuíza ação para reconhecer tempo de serviço especial, mas o processo é julgado improcedente por falta do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), ou por algum vício/incorreção nele constante. Se, posteriormente, o segurado logra êxito na obtenção/correção do PPP, ele pode intentar nova ação?
Entendo que sim, com base no Tema 629 do STJ!
E vejam, não se trata de “invenção” ou “aventura jurídica”. Há precedente em casos tais:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. [...] 3. Se na demanda anterior a conclusão pela improcedência do pedido se fundamentou na ausência de prova indispensável à propositura da ação, qual seja, o formulário PPP, documento legalmente exigido pela legislação previdenciária para a demonstração do exercício de atividades nocivas, segundo o art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, e não em juízo exauriente sobre as provas colhidas, o julgamento deveria ser de extinção do processo, sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, inciso IV, do CPC, o que não obsta o ajuizamento de nova ação para renovação do pleito, pela parte autora, mediante apresentação de novas provas, tendo em conta a tese jurídica vinculante fixada pelo STJ no Tema nº 629 (REsp 1.352.721/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 28/04/2016). Com efeito, toda a razão de decidir do voto condutor do acórdão paradigma do Tema nº 629/STJ está direcionada para uma especial proteção ao trabalhador segurado da Previdência Social, seja ele rural ou urbano, o que justifica (e mais: impõe) a sua aplicação extensiva às hipóteses em que o segurado busca, em juízo, ver reconhecido o tempo de serviço especial e/ou o tempo de serviço rural em regime de economia familiar, com o fim de obter o benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. [...] (TRF4, AC 5003609-92.2021.4.04.9999, 07/04/2022)
Em ações de pensão por morte, a comprovação de dependência econômica ou de união estável é requisito essencial. Ocorre que, assim como o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91 impossibilita a comprovação de tempo de serviço com base em prova exclusivamente testemunhal, o § 5º do art. 16 da mesma lei traz previsão semelhante:
Art. 16. [...]
[...]
§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
OBS: até 17/01/2019 (vigência da MP 871/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.846/2019) era possível a demonstração de união estável e de dependência econômica apenas com testemunhas.
Então imagine um postulante que ingressa judicialmente buscando a concessão de pensão por morte de companheiro, mas não possui documentos (ou possui poucos, e são frágeis) da união estável, ao passo que a prova testemunhal foi convincente. Na hipótese de se entender pela insuficiência de início de prova material, o processo deve ser julgado improcedente?
Em casos de insuficiência probatória quanto à união estável ou dependência econômica, há precedentes no sentido de que deve ser aplicado o Tema 629/STJ, para fins de extinção do processo sem resolução do mérito:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE FILHO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA GENITORA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. TEMA 629/STJ. [...] 3. Diante da hipossuficiência da parte autora, seria desarrazoado reconhecer a improcedência do pleito, formando a coisa julgada material, haja vista que recente precedente da Corte Especial do STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia, mudou o encaminhamento das demandas previdenciárias com ausência ou insuficiência (como no caso) de provas (Tema 629 do STJ, REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118). 4. Processo julgado extinto, de ofício, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, inciso IV, do CPC, prejudicada a apelação da parte autora. (TRF4, AC 5012176-44.2023.4.04.9999, 9ª Turma, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, julgado em 08/08/2024)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INSUFICIÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. [...] 4. Hipótese em que os documentos anexados são insuficientes para constituir início de prova material da alegada relação de companheirismo. Extinção do feito sem resolução de mérito com fundamento na tese firmada pelo STJ no julgamento do Tema n. 629: A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. (TRF4, AC 5003875- 74.2024.4.04.9999, 10ª Turma, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, julgado em 30/07/2024)
E aí, você sabia que o Tema 629/STJ pode ser aplicado em outros casos, não se limitando a processos de atividade rural?
Espero que esse conteúdo seja útil para você!
Grande abraço e até a próxima!