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Judicialização da Previdência e advocacia pública: colocando os pingos nos is

No dia 13 de setembro de 2018, o site Conjur publicou uma notícia com o título “A cada dez benefícios pagos pelo INSS, um é resultado de decisão judicial”[1], cujo trecho vale a pena transcrever quando aduz que: “A cada dez benefícios pagos pelo INSS, um é resultado de decisão judicial. Em 2017, dos R$ 609 bilhões pagos, R$ 92 bilhões foram para benefícios determinados pela Justiça. Os dados, divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo, são de uma fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) que servirá de base para discutir a judicialização envolvendo o INSS, o maior litigante do país. O TCU fará uma audiência pública sobre o tema no próximo dia 26. Entre 2014 e 2017, nos casos de aposentadoria especial e de auxílio-acidente, a concessão judicial chega a ser maior que a administrativa”.

Por outro lado, o Poder Judiciário ostenta em seus números o pagamento de bilhões de reais por ano[2], mas na verdade os valores saem dos cofres da Autarquia Previdenciária, que muitas vezes, discorda frontalmente dos critérios utilizados para concessão de benefícios na esfera judicial.

Exemplo disso são os casos de aposentadoria especial, onde o número de benefícios concedidos judicialmente chega até a 80% em determinadas localidades. Tal fato mostra um problema grave no que tange ao princípio da separação de Poderes e ofensa clara ao “check and balances” promovido pela Constituição Federal de 1988.

Ora, o INSS como Autarquia Previdenciária está submetido ao artigo 37 da Constituição Federal e, portanto, ao princípio da legalidade. Neste diapasão, tem que seguir toda a legislação previdenciária, inclusive a que determina as causas reitoras da aposentadoria especial (agentes biológicos, exposição a níveis de ruído, dentre outros). No entanto, o Poder Judiciário, ancorado no ativismo judicial e em um suposto princípio “tuitivo” do Direito Previdenciário, afasta a aplicação das normas e concede o benefício previdenciário com base em uma suposta observância ao princípio da dignidade humana.

Mas, a pergunta é: por que temos tantas ações judiciais contra o INSS?

O INSS, como já demonstrado pelo estudo supracitado, erra pouco.

Anos atrás, a Advocacia Pública Federal, por meio da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, criou um grupo com aproximadamente 13 procuradores, tendo o subscritor a honra de participar, com o objetivo de reduzir demandas.  Além da revisão de todas as normas do INSS para adequação à legislação ordinária e à Constituição de 1988, foi criado o índice de concessão judicial, hoje chamado índice de concessão judicial e recursos (ICJ-e), para mensurar o suposto “erro” do INSS.

 
  Belo Horizonte Brasil
janeiro 7,22% 9,29%
fevereiro 9,31% 9,87%
março 10,55% 11,03%
abril 13,73% 16,84%
maio 16,97% 15,37%
junho 13,32% 19,94%
julho 12,00% 16,37%

 
Veja-se que a cada 100 benefícios concedidos em Belo Horizonte-MG, no mês de janeiro, a média é de 7 concedidos pelas vias judiciais. Mas, se esses dados forem analisados por espécie de benefício (o espaço desta coluna não nos permite), veremos que nos casos de auxílio-acidente e aposentadoria especial chegam a 80% ou mais.

A resposta ao questionamento apresentado antes é simples. O INSS tem muitas ações judiciais porque tem relação jurídica direta e indiretamente com aproximadamente 100 milhões de pessoas. Se pegarmos, apenas a título comparativo o ICJ-e acima, teríamos em torno de 10 milhões de processos judiciais.

Todavia, para realmente termos um cálculo exato para mensurar o erro, o estudo teria que cotejar as ações improcedentes (demonstram em tese que a Autarquia acertou), bem como separar os casos de “ativismo judicial” em que o INSS aplicou a lei e os normativos, mas o Judiciário os afastou.

A Advocacia Pública tem feito seu papel de órgão de consultoria, assessoramento e representação judicial ao promover a feitura de acordos judiciais em casos de erro administrativo, além de orientar a Autarquia no enxugamento de normas administrativas e treinamento de seus servidores.

No mês de fevereiro de 2018 foram celebrados 9.717 acordos, estimando-se o pagamento de R$ 63.559.763,86 e uma economia de R$ 18.966.973,14[3], conforme metodologia apresentada no NUP  00407.087787/2017-90 (Sistema SAPIENS).

De todo o exposto, pode-se concluir que a Advocacia Pública precisa reforçar seu papel de defensora da sociedade e do interesse público primário, realizando acordos judiciais, mas sempre orientando de maneira preventiva a Autarquia Previdenciária para evitar a judicialização da Previdência.

Todavia, também cabe ao Poder Judiciário evitar o ativismo judicial exacerbado, a fim de que a República que todos queremos possa estar equilibrada na forma idealizada pelo Constituinte de 1988, ou seja, respeitando a harmonia e independência dos Poderes, em suma check and balances.

*Procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU). Mestre em Ciências Penais e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Autor de Direito Constitucional Fraterno, Do Princípio da Coculpabilidade e, em coautoria, o livro Criminologia da Não-cidade, todos pela Editora D’Plácido. É editor-chefe da Revista da Advocacia Pública Federal, editada pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais
(Anafe).


Fonte: Congresso em Foco