IEPREV - A irrecorribilidade das decisões monocráticas de admissibilidade de incidente de uniformização da jurisprudência dos JEF's pelo presidente da TNU

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A irrecorribilidade das decisões monocráticas de admissibilidade de incidente de uniformização da jurisprudência dos JEF's pelo presidente da TNU

 


Alan da Costa Macedo, Bacharel e Licenciado em Ciência Biológicas na UNIGRANRIO; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal em licença para Mandato Classista, Ex- Oficial de Gabinete na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Coordenador Geral  e Diretor do Departamento Jurídico do SITRAEMG; Ex- Professor de Direito Previdenciário no Curso de Graduação em Direito da FACSUM; Professor e Conselheiro Pedagógico no IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Professor e Coordenador de Cursos de Extensão e Pós Graduação do IEPREV.


Necessidade de revisão do art. 16, § 1º e 32 da Resolução 345/2015- CJF- Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência através de Pedidos de Providências e, em seguida, por ADPF ao STF

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Há alguns dias, o colega de serviço público e do magistério, Malcon Robert[1], colocou a questão abaixo em um grupo do Facebook. Tamanha é a repercussão do tema que decidi pesquisar e escrever algumas linhas sobre o assunto.  

“Tenho para mim que: quanto maior o poder, maior a responsabilidade, atento aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que muito se aproximam!

Assim, o que se esperar de uma decisão irrecorrível??!!! (agora complementando)

É possível essa decisão ser aplicada em outro caso qualquer? 
Ou melhor, como poderíamos, sequer, pensar em recorrer se não se sabe de quê?

"DECISÃO

Trata-se de agravo interposto contra decisão que inadmitiu o incidente de uniformização nacional suscitado pela parte ora requerente, pretendendo a reforma de acórdão oriundo de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais que, mantendo a sentença, rejeitou o pedido de aposentadoria por idade, sob o fundamento de que não ficou comprovado o período trabalhado em atividade rural.

É o relatório.

O recurso não merece prosperar. As instâncias ordinárias analisaram todo o conjunto probatório e concluíram que, o ora requerente, não faz jus ao benefício previdenciário requerido. Destarte, a pretensão de alterar o entendimento firmado pela Turma de origem não é possível em virtude da necessidade de revisão de provas dos autos.

Aplica-se, assim, a Súmula 42/TNU (“Não se conhece de incidente de uniformização que implique reexame de matéria de fato”). 
Ante o exposto, com fulcro no art. 8º, VIII, do RITNU, nego provimento ao agravo.

Publique-se. Intimem-se. Brasília, 14 de outubro de 2015. Ministro OG FERNANDES  Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais" (PROCESSO: 2009.38.06.702140-8)” ( grifos meus)

Fonte: https://www.facebook.com/malcon.gomes/posts/926728477403798

O art. 9º, XI e o art. 16, I, do Regimento Interno da TNU, Resolução 345/2015 do CJF, assim dispõe:

“Art. 9º. Compete ao relator:

XI- negar seguimento ao incidente manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal; ” 

“Art. 16. Antes da distribuição do pedido de Uniformização de Jurisprudência, o Presidente da Turma Nacional de Uniformização poderá:

I-          negar-lhe  seguimento quando manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal;” 

 

(...)

 

§ 1º As decisões previstas neste artigo são irrecorríveis”  ( grifos meus)

Como se pode observar, na TNU, há dois juízos de admissibilidade: o primeiro feito pelo Presidente da Turma, antes mesmo da sua distribuição e o segundo feito pelo “ relator” após a sua distribuição. Assim, num Incidente de Uniformização da Jurisprudência feito em face de decisão de Turma Recursal, há três juízos de admissibilidade: o primeiro pelo Presidente da Turma Recursal de Origem e os outros dois pelo Presidente da TNU e Relator do Incidente, respectivamente.

Há de se observar que, no art. 32 da Resolução 345/2015, há expressa previsão de Agravo Regimental para a decisão monocrática de admissibilidade do Relator. No entanto, nenhum artigo do Regimento Interno prevê aquele recurso para a decisão de inadmissibilidade Presidente, deixando ao arbítrio monocrático a decisão final sobre a vida do cidadão. Por que a decisão do Presidente é irrecorrível? Qual o fator discrime razoável para diferenciar o seu juízo de admissibilidade daquele feito pelo relator?

Hoje em dia, parece-nos que com a cultura da litigiosidade, criou-se, também, a cultura do “extermínio processual em massa”. Juízes de primeiro grau publicando portarias com inúmeras formas de negativa de acesso ao Poder Judiciário; Resoluções de Tribunais, Turmas Recusais e Turmas de Uniformização da Jurisprudência prevendo irrecorribilidade de recursos que, naturalmente, seriam recorríveis. Em que mundo estamos vivendo? Será que tudo aquilo que era “ égide” e “ “basilar” no Direito Constitucional e Direito Processual está sendo relativizado? Ou será que estamos, paulatinamente, enterrando o Estado Democrático de Direito a duras penas conquistado e retornando, paulatinamente, à ditadura?       

Veja-se que o descalabro se propaga com a inadmissibilidade de qualquer remédio em face das referidas decisões monocráticas. Os bravos advogados que tentaram interpor Mandado de Segurança, na ausência de recurso para a referida decisão, assim foram respondidos:

TNU - MANDADO DE SEGURANÇA PEDILEF 00000607320134900000 (TNU)  Data de publicação: 06/12/2013

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PRESIDENTE DA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA OU DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO. INICIAL INDEFERIDA. 1. A União traz como causa de pedir Decisão do Ministro Presidente da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos JEFs, pela qual negou provimento a agravo  interposto em virtude de decisão do Presidente da Turma Recursal de origem, que inadmitiu Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal com base no art. 7º, inciso VII, letra c, do Regimento Interno da TNU. 2. A matéria de fundo diz respeito ao pagamento de ajuda de custo a servidor público quando removido a pedido. 3. Por sua vez, conforme o aludido art. 7º, inciso VII, letra c, do RITNU, na redação dada pela Resolução nº. 163, de 9 de novembro de 2011, compete ao Presidente da TNU, antes da distribuição, obstar a tramitação de incidente de uniformização manifestamente inadmissível ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. 4. Noutro prisma, na forma do § 1º do art. 7º do mesmo RI desta TNU, a decisão proferida pelo Presidente desta Turma Nacional de Uniformização é irrecorrível. 5. Por seu turno, somente cabe mandado de segurança quando a decisão do Presidente deste Colegiado Nacional evidenciar caráter teratológico ou materializar negativa de prestação jurisdicional. 6. Nesse passo, dois aspectos jurídicos básicos ressaem nesta impetração: (i) primeiro não se extrai do quadro jurídico em apreço qualquer das duas hipóteses regimentais; consoante o entendimento, v.g., expresso nos Precedentes: Mandados de Segurança nºs. 8-14.2012.4.90.0000, relatoria do Juiz Federal Vladimir Santos Vitovsky, DOU 1º.6.2012; 9-96.2012.4.90.0000, relatoria da Juíza Federal Vanessa Vieira de Mello; 11-66.2012.4.90.0100, relatoria do Juiz Federal Adel Américo de Oliveira; 14” ( grifei)

“TNU - MANDADO DE SEGURANÇA PEDILEF 00000303820134900000 (TNU)

Data de publicação: 07/03/2014

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DO PRESIDENTE DESTA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. DECISÃO IRRECORRÍVEL. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DE RE CURSO PELO INSTRUMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO. 1.Embargos de declaração opostos pela parte autora em face do acórdão proferido por esta Turma Nacional de Uniformização. Alegação de omissão quanto à fundamentação do indeferimento da inicial do Mandado de Segurança. 2.O Mandado de Segurança foi interposto de decisão do Ministro Presidente que negou seguimento ao Pedido de Uniformização sob o fundamento de que na fixação da DIB no auxílio-doença impera o princípio do Livre Convencimento Motivado. 3. Foi indeferida a inicial do presente Remédio Constitucional porque as decisões proferidas pelo Presidente deste Colegiado , para negar ou conhecer do incidente manifestamente inadmissível, são irrecorríveis. 4. Embargos opostos no prazo previsto no Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização, com exclusiva finalidade de esgotar a atuação jurisdicional, esclarecendo ponto contraditório ou omisso no acórdão prolatado. 5. Omissão inexistente. O acórdão embargado decidiu a questão de forma clara e bem fundamentada, adotando uma linha de raciocínio razoável e coerente. 6. Embargos de Declaração conhecidos, e, no mérito, rejeitados. “ ( grifei)

Não cabendo mandado de segurança, diante do absurdo que é deixar ao arbítrio de uma decisão monocrática questões tão importantes, cujos paradigmas dos Tribunais Superiores, muitas vezes, já consolidaram a tese discutida, ainda se tentou a propositura de Incidente ao STJ nos termos do art. 14, § 4º, da Lei 10.259/2001. No entanto, vejam-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO AgRg na Pet 10208 SP 2013/0394421-5 (STJ)

Data de publicação: 23/04/2014

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DIRIGIDO AO STJ. ART. 14 , § 4º , DA LEI 10.259 /2001. TEMA DE DIREITO MATERIAL NÃO ANALISADO PELA TNU. PRECEDENTES DO STJ. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O incidente de uniformização dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 14 , § 4º , da Lei 10.259 /2001, deve ser apresentado em face de orientação acolhida pela Turma de Uniformização que tenha contrariado súmula ou jurisprudência dominante desta Corte Superior, em questões de direito material. 2. No caso dos autos, o Presidente da Turma Nacional de Uniformização não analisou questão de direito material, aplicou, em verdade, a técnica de adequação de julgamento prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC , determinando o retorno dos autos à Turma Regional para aperfeiçoamento do julgado. Portanto, a decisão impugnada em sede deste presente incidente cinge-se à questão processual. 3. Agravo regimental não provido. “ ( grifei)

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO AgRg na Pet 7554 PR 2009/0193909-0 (STJ)

Data de publicação: 01/07/2015

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. INCIDENTE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO PRESIDENTE DA TNU. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DE INSTÂNCIA. PROVIMENTO NEGADO. 1. Não é possível conhecer do pedido de uniformização apresentado contra decisão monocrática do Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). Precedentes. 2. Decidido o incidente de uniformização e os subsequentes aclaratórios por decisão singular, caberia à parte interpor agravo regimental visando à manifestação do órgão colegiado. 3. Agravo regimental não provido. “ ( grifei)

Enfim, o que nos resta? E se o presidente ou relator da TNU for alguém que deseje enxugar a TNU com métodos de extinção processual em grandes massas? Se a análise for perfunctória ao ponto de colocar todas as situações aleatoriamente no mesmo barco?  É possível desconfiar que um Juiz, analisando sozinho uma causa, possa se equivocar? O Sistema Colegiado não seria mais seguro?

Realmente, a questão colocada pelo colega Malcon Robert é digna de irresignação. Como podemos conceber a constitucionalidade de tais irrecorribilidades? Como podemos permitir o arbítrio estatal de forma tão absurda?

Observe-se que, no caso paradigma trazido pelo colega Malcon Robert, o pedido era de aposentadoria por idade rural que demandava a análise e valoração de indícios de prova material. A decisão monocrática do presidente, em síntese, traz: “a pretensão de alterar o entendimento firmado pela Turma de origem não é possível em virtude da necessidade de revisão de provas dos autos. “

Tal questão, no entanto, já foi descrita há muito pela própria TNU, quando pacificou que:  

“ (...) Em sede de incidente de uniformização de jurisprudência, efetivamente não cabe o reexame da prova analisada pelas instâncias ordinárias para verificação se determinado fato restou ou não comprovado. O juízo de uniformização não se ocupa da análise de fatos, mas apenas do direito aplicável sobre as premissas fáticas estabelecidas na instância ordinária. Assim, não cabe analisar se existem outras provas, além daquelas mencionadas no acórdão recorrido, ou se eventual vício afirmado como existente em determinado documento, no caso concreto, compromete ou não a sua credibilidade. Isso não impede, contudo, que a Turma de Uniformização verifique se os julgados comparados adotam o mesmo critério jurídico (interpretação da lei) e se o acórdão recorrido seguiu a interpretação fixada com relação às provas mencionadas no próprio corpo da decisão. Neste caso, não se está diante de reexame da prova em si, mas de mero exame da conformidade da interpretação dada pela Turma Recursal à lei federal (art. 106 da Lei nº 8.213/91 e Código de Processo Civil) quanto aos critérios jurídicos adotados para valoração desta. Entendimento sedimentado no âmbito do STJ e desta Turma de Uniformização. (...) “ ( TNU- PEDILEF 50131573220124047001) ( grifos meus)

Nesse passo, se a decisão monocrática do Presidente da TNU fosse revisada pelo colegiado, poder-se-ia verificar se o pedido estava adequado ao entendimento firmado no julgado acima ou o Presidente estava, realmente, correto no seu juízo negativo de admissibilidade.

Por conseguinte, é necessário que céleres providências sejam tomadas. Sem ter a ambição de esgotar o tema e, certamente, com a certeza de que muito se tem a complementar, esse estudo sugere algumas providências administrativas e judiciais a sanar o equívoco regimental do objeto estudado.

1.    DO ATO NORMATIVO ESPECÍFICO DA RESOLUÇÃO 345/2015 A SER IMPUGNADO

No caso da Resolução 345/2015 (Regimento Interno da TNU), a polêmica consiste na impossibilidade de decisão monocrática do Presidente da TNU ser contrastada perante órgão colegiado ao contrário do que é previsto para o mesmo tipo de decisão do relator. Sendo assim, questiona-se pela inconstitucionalidade do ato comissivo (atribuição de efeito de irrecorribilidade) e omissivo (ausência de previsão de agravo regimental para a decisão do Presidente) diante da argumentação de agressão a princípios, dentre eles o duplo grau de jurisdição, o juiz natural, a recorribilidade e o da colegialidade. Vejamos os pontos específicos da Resolução ora atacada:

“Art. 8º. Compete ao Presidente da Turma Nacional de Uniformização:

(...)

IX- Proferir quaisquer das decisões previstas no art. 16 anteriormente à distribuição do pedido de uniformização de jurisprudência;”

 

“Art. 16. Antes da distribuição do pedido de uniformização de jurisprudência, o Presidente da Turma Nacional de Uniformização poderá:

 

I-          Negar-lhe seguimento quando manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado, ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal;

(...)

§1º. As decisões previstas nesse artigo são irrecorríveis. ”  (grifei)

 

________________________________________________________

 

“Art. 9º. Compete ao relator:

XI- negar seguimento ao incidente manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal; ”

 

“Art. 32. Cabe agravo regimental da decisão do relator , no prazo de cinco dias. Não havendo retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo o seu voto.”  ( grifos meus)

 

A questão abstrata refere-se ao conhecimento sobre a falibilidade humana e à certeza de que, em um Estado Democrático de Direito, não se pode deixar o poder de forma absoluta nas mãos de uma só pessoa. Tal inteligência foi corretamente prevista no art. 32 do Regimento Interno da TNU, tal como acima transcrito, em que, prevendo a falibilidade do juízo monocrático do relator, permitiu-se a interposição de agravo regimental em face daquela decisão. Ao revés, ao prever o juízo de admissibilidade prévio do Incidente de Uniformização da Jurisprudência pelo Presidente da TNU, atribuiu àquela decisão o caráter de irrecorribilidade.

 

2.    DA INCONSTITUCIONALIDADE DO §1º, ART. 16 DA RESOLUÇÃO 345/2015-CJF

 

A análise acerca da constitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 16, da Resolução 345/2015 do CJF, pressupõe uma análise principiológica, observando-se a adequação ou afronta da questão com os princípios. Para a justificação desse posicionamento, procede-se à análise dos seguintes princípios:

2.1.        Duplo grau de jurisdição e  Recursividade

 

O duplo grau de jurisdição é princípio que diz respeito à possibilidade de reexame de decisões, de preferência realizada por órgão superior. Parte da doutrina, entretanto, questiona a presença dessa garantia no texto constitucional. 

Na leitura da Constituição brasileira, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a existência de inúmeros princípios constitucionais implícitos, capitaneados de uma interpretação sistemática do arcabouço normativo positivado. Os princípios constitucionais implícitos são aqueles que estão dispostos nas entrelinhas do texto constitucional, mas que um bom exegeta consegue enxergar. Deve ser dito os princípios implícitos são tão importantes quanto os princípios explícitos, não havendo hierarquia entre eles. O doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho[2], analisando o artigo 5º, §2º, da Carta Magna, esclarece que “o dispositivo em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enumerar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros, decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece”.

A falibilidade do argumento humano pode ensejar decisões equivocadas ou injustas. Como é cediço que todo ser humano é falível, não seria razoável esperar que os juízes fossem imunes a falhas. Em decorrência disso, o exercício da prestação jurisdicional admite a possibilidade de cometimento de erros que impliquem resultado injusto, contrariando o papel primordial do Direito de construir uma ordem social justa. Assim sendo, o princípio do duplo grau de jurisdição é uma garantia para a razoável e legítima solução de litígios mediante o exame de cada caso por órgãos judiciários diferentes, extirpando a insegurança gerada pelas decisões de uma única instância ou por decisões monocráticas.

Montesquieu[3] já havia prelecionado que um juiz poderia tornar-se um déspota se soubesse que não seria possível controlar, de forma alguma, as suas decisões.

Quando a decisão é proferida por órgão colegiado, ela está revestida de maior crédito, pois com o debate, amadurecem-se as ideias e aperfeiçoa-se o conhecimento. Nesse sentido é que se entende ser recorrível todo ato decisório do juiz que possa prejudicar um direito ou um interesse da parte, com finalidade de evitar erros e falhas que são inerentes aos julgamentos humanos. Caso não haja erros ou falhas a serem reparados, a decisão, certamente, terá mais autoridade e gerará maior segurança jurídica quando mantida por órgão colegiado.

É fato que o princípio do duplo grau de jurisdição não pode levar à excessiva criação de órgãos recursais e ao maior gasto de tempo consumido na apreciação dos recursos. Afinal, todos nós estamos cansados com a morosidade da justiça ao elevado número de expedientes recursais disponíveis. No entanto, não há a menor razoabilidade atribuir ao Presidente da TNU a infalibilidade do seu julgamento em detrimento da previsão de falibilidade do Relator, porquanto a máxima é a mesma: conhecimento de que o ser humano é falível. Vejamos o que dizem os arts. 9º e 32 da Resolução 345/2015 do CJF:

“Art. 9º. Compete ao relator:

XI- negar seguimento ao incidente manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal; ”

 

“Art. 32. Cabe agravo regimental da decisão do relator , no prazo de cinco dias. Não havendo retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo o seu voto.”  ( grifos meus)

O mais relevante fundamento, a meu ver,  para o respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição está na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco[4],  que atribuem ao primado do duplo grau de jurisdição a natureza política. A ver, nenhum ato de “ Estado” poderia ficar imune aos controles, até porque se levarmos em conta que os Juízes de carreira não são eleitos pelo povo, e o controle, popular, mesmo que incipiente, sobre o exercício da função jurisdicional, é necessário quando se presume que todo poder outorgado lhe pertence originariamente. É necessário então que se exerça ao menos o controle interno sobre a legalidade e a justiça das decisões judiciárias.

De acordo com uma visão doutrinária majoritária, justifica-se  que o princípio do duplo grau de jurisdição  está implícito no devido processo legal, previsto no art. LIVCF/88, pois não se pode conceber  que um sistema de juízo único seja amparado pelos subprincípios do contraditório e ampla defesa.

A impossibilidade de interposição de recurso de agravo regimental contra decisão monocrática do Presidente da TNU, portanto, torna inconstitucional a redação do § 1º do artigo 16 da Resolução 345/2015 da TNU. Isso porque o agravo regimental seria o instrumento mediante o qual exercer-se-ia o princípio do duplo grau de jurisdição.

2.2.        Juiz natural e Colegialidade

Disposto no artigo 5°, incisos XXXVII e LIII, o princípio do juiz natural estabelece o julgamento de causas por juiz designado competente. O juiz natural possibilita a exigência de que a realização de ato no exercício jurisdicional se dê por juízes instituídos pela própria Constituição e competentes segundo a lei.

Suscita-se, portanto, questão largamente discutida acerca da ampliação dos poderes do Presidente da TNU e do Relator. Segundo essa discussão, o aumento dos poderes do Presidente da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência e dos Relatores nos JEF’s afronta o princípio do juiz natural, visto que a competência seria do órgão colegiado.

Para Cássio Scarpinella Bueno[5]a questão só não seria necessariamente um problema se a lei ou ato normativo previsse uma forma suficiente de contraste desta decisão perante o órgão colegiado. Daí se extrai a inteligência de que, não havendo instrumento adequado para que o referido contraste exista, dá-se margem a grande insegurança jurídica.

Nesse mesmo diapasão, trago à colação trecho de voto do Ministro do STF, Celso de Melo, quando julgou questão em que o Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 30, de 29 de maio de 2009, delegou expressa competência ao Relator (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER nº 30/2009):

 

“Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).”

 

Ainda em relação à ampliação dos poderes do relator e acrescento, do Presidente da TNU, o doutrinador Bruno Dantas Nascimento[6], defende que tal constatação potencializa os erros do judiciário e desprestigia os juízes de primeiro grau e do órgão colegiado. Para ele, a regra introduzida vai “justamente na contramão do princípio das decisões colegiadas nos tribunais, esvaziando o seu caráter coletivo e fortalecendo a figura dos ‘sobrejuízes’, que tomam, monocraticamente, decisões irrecorríveis e pretensamente insuscetíveis de controle pelo colegiado que integram. ”

A colegialidade é um subprincípio derivado do princípio do juiz natural, tratando-se da competência atribuída a órgão colegiado para julgamento de decisões. Havendo decisão monocrática proferida pelo relator ou pelo Presidente da TNU e, existindo recurso (o Agravo Regimental), deve haver o contraste entre a decisão singular e o colegiado, sob pena de afronta ao princípio da colegialidade, visto que a competência é atribuída àquele órgão.

Pelo exposto, considero tal disposição de irrecorribilidade da decisão do Presidente da TNU de admissibilidade do Incidente de Uniformização da Jurisprudência inconstitucional, justamente por violar frontalmente o princípio do julgamento colegiado e, reflexamente, o princípio do juiz natural.

2.3.        Do contra-argumento à Economia processual e Celeridade

A economia processual é princípio de suma importância, atrelado à celeridade dos atos processuais, consistindo na obtenção da máxima efetividade a partir do mínimo gasto de tempo. Ao se falar em decisão de admissibilidade monocrática, certamente observou-se a obediência a economia e celeridade processuais, visto que haveria menos dispêndio quando um decide em substituição a vários (não se configurando afronta principiológicas desde que haja recurso para tanto).

Entretanto, com a modificação introduzida, passa-se a optar, na impossibilidade de uso de agravo regimental, pela utilização de outro remédio constitucional. Como exemplo disso, tem-se manejado o mandado de segurança, que, em regra é dispendioso, infelizmente, com resultados, frequentemente, não muito justos.  No mesmo passo, como supra colocado, muitos advogados interpõem Incidente de Uniformização ao STJ, os quais tem sido indeferido pela ausência de julgamento colegiado sobre o mérito.

Some-se a isso, com a vigência do novo CPC, será possível o instituto da Reclamação, consoante a disposição do art. 988. Segundo José Antônio Savaris[7],  em obra prefaciada pelo Ministro do STF, Teori Albino Zavascki, as hipóteses de cabimento de Reclamação tratadas no novo CPC são integralmente aplicáveis aos Juizados Especiais Federais. Nesse sentido, Savaris leciona: “ Caberá reclamação contra decisões proferidas nos processos em curso no âmbito dos Juizados Especiais que não observem súmula vinculante ou decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade. Também caberá reclamação para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das decisões do tribunal (STF, STJ ou TRF). A partir da vigência do Novo CPC ( 17/03/2015), será cabível Reclamação contra decisões dos Juizados Especiais Federais que não aplicarem tese firmada em julgamento de casos repetitivos, ou, mais especificamente, que não aplicarem tese firmada: a) Pelo Tribunal Regional Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, em incidente de resolução de demandas repetitivas; b) Pelo Supremo Tribunal Federal, na sistemática de repercussão geral; c) pelo Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o rito representativo de controvérsia;” ( grifei)

Apesar do indicativo de que a reclamação deverá tratar de institutos de direito material, certamente, muitos serão os casos de reclamação aos Tribunais em relação à matéria eminentemente processual, cuja vedação é também, a meu ver, um descalabro. Segundo José Maria Rosa Tesheiner, o grande motivador para se restringirem os Incidentes de Uniformização a questões de direito material foi a diminuição do número de recursos nas Turmas de Uniformização. Com eloquência, defende Tesheiner:

 

“Nos Juizados Especiais federais, regulados pela Lei 10.259/01, a uniformização de jurisprudência tem a natureza de recurso, assemelhando-se aos embargos de divergência. Após o julgamento, o vencido formula pedido de uniformização, assim provocando o pronunciamento do órgão competente. Mas há uma diferença importante em relação aos embargos de divergência: a uniformização é restrita a questões de direito material (art. 14, caput). Levantamentos feitos nos tribunais superiores mostraram predominância de questões processuais. Resolveu-se diminuir o número de recursos, restringindo-os às questões de direito material.” ( grifei)

 

2.4 . Segurança jurídica

Ao estudar a Constituição Federal de 1988, percebemos o princípio da segurança jurídica estampado de forma implícita em vários momentos, como, por exemplo, no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. A presença daquele princípio em diversas partes da Lei Maior indica a sua aplicabilidade a vários ramos do Direito desde o Direito Processual (como indicado no art. 5°, inciso XXXVI) até o Direito Penal (como indicado no art. 5°, incisos XXXIX e XL).

É possível compreender a preocupação do legislador como um meio de proteger os direitos dos cidadãos uma vez que o princípio constitucional da segurança jurídica pode ser considerado um dos pilares do Estado democrático de direito e a forma de garantir estabilidade e paz nas relações jurídicas.

É importante ressaltar que o princípio ora estudado tem como objetivo proteger e preservar as justas expectativas das pessoas[8]. Nesse sentido, é imprescindível concebê-lo como um instrumento capaz de assegurar a previsibilidade esperada pela sociedade que pode advir tanto da lei do Direito positivo quanto dos juízes e tribunais.

Ora, se a lei prevê o recurso de “ agravo” em face de decisões monocráticas de admissibilidade, poderia um ato normativo (Resolução do CJF) infra legal cercear tal previsibilidade jurídica sem atentar contra o primado da segurança jurídica? Se o novo CPC, no art. 1021, prevê o agravo interno contra decisão monocrática do Relator, seria crível atribuir tal competência de admissibilidade ao Juiz Presidente da TNU, dando a esta decisão o caráter de irrecorribilidade?

A Segurança jurídica, em meu sentir, consiste na necessidade de pacificação social com a previsibilidade proporcionada pelo ordenamento jurídico, garantindo a tranquilidade de que atos injustos e ilegítimos não ocorram. Com a extinção da possibilidade de agravo regimental ou interno em face da decisão de admissibilidade do Presidente, pode-se dizer que a pretensa ausência de meio de promoção da integração da vontade do Colegiado acarretaria, sem dúvida, grave insegurança jurídica, além de ter elevado potencial para ofender o próprio princípio das decisões colegiadas, que rege a disciplina dos processos nas instâncias superiores.

 Com isso, não se pode falar em sopesamento de princípios a preterir a segurança jurídica para que seja atribuída celeridade ao processo, visto a eficiência processual só vai ser legítima e socialmente aprovável em concomitância com a segurança jurídica a evitar arbítrios pessoais e estatais. A previsão de irrecorribilidade no Regimento Interno da TNU, portanto, sacrifica o elevado valor segurança em homenagem à celeridade a qualquer custo, o que, a meu ver, multiplica as chances de instituir-se e legitimar-se uma espécie de Hitlerismo processual (referência às absurdas e irrazoáveis decisões do nazismo alemão, na época do governo de Hitler).