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Decadência e Prescrição das Contribuições Previdenciárias

 


DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

MÁRCIO ANTÔNIO PINTO – Especialista em Direito Previdenciário


 

RESUMO

O presente trabalho aborda de forma geral e sucinta as decisões/manifestações doutrinárias e jurisprudenciais acerca dos temas decadência e prescrição, cuja polêmica teve início com a edição do CTN- Código Tributário Nacional, Lei 5.172/66, a partir do qual, no entendimento de alguns doutrinadores,  a contribuição previdenciária passou a ser considerada de natureza tributária, submetendo-se, portanto, às regras aplicáveis aos tributos. A discussão persistiu com a edição da Lei 8.212/91 que não considerava os institutos em foco como normas gerais de direito tributário. Apesar das divergências ainda existentes, em decisão recente, o STF firmou o entendimento de que as contribuições previdenciárias têm natureza tributária e sujeitam-se ao regime jurídico-tributário, sendo alcançadas pelas normas gerais do Direito Tributário.

Palavras-chave: decadência, prescrição, contribuição-previdenciária.


 

1  INTRODUÇÃO

Os temas prescrição e decadência, em matéria tributária, especialmente no que se referem às contribuições previdenciárias, têm motivado, de longa data, discussões de caráter doutrinário e jurisprudencial.

Em uma retrospectiva histórica, observa-se que a polêmica teve início com a edição do CTN – Código Tributário Nacional, Lei 5.172/66, uma vez que alguns doutrinadores entendiam que as contribuições previdenciárias eram de natureza tributária, sujeitas, pois, às normas previstas no CTN, em seus arts. 173 e 174, in verbis:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I - pela citação pessoal feita ao devedor;

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; Redação dada pela LCP nº 118, de 2005

II - pelo protesto judicial;

III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

No entanto, a LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social, Lei 3.807/60, estabelecia em seu art. 144 prazo prescricional trintenário, nada dispondo a respeito de prazo decadencial.

Com base na Emenda Constitucional 8/77, o Supremo Tribunal Federal – STF – firmou entendimento de que as disposições do CTN não se aplicavam às contribuições previdenciárias. Reforçando tal entendimento, a Lei 6.830/80, art. 2º, §9º, estabelecia que o prazo para as cobranças das contribuições previdenciárias seria aquele previsto no art. 144 da LOPS.

A Constituição Federal de 1988 manteve a natureza tributária das contribuições previdenciárias, prevista no CTN. Por se tratar de normas gerais em matéria de legislação tributária, somente caberia à lei complementar versar sobre prescrição e decadência tributárias.

A polêmica sobreveio com a edição da Lei 8.212/91, que, ao não considerar o instituto da decadência e da prescrição como normas gerais de direito tributário, fixou os prazos dos referidos institutos em dez anos.

Apesar das divergências doutrinárias ainda existentes, o Supremo Tribunal Federal – STF – firmou entendimento, em junho de 2008, acerca dos prazos de decadência e prescrição aplicados às contribuições previdenciárias.

O presente trabalho tem por objetivo abordar de forma geral e sucinta as decisões/manifestações doutrinárias e jurisprudenciais acerca da decadência e prescrição em matéria previdenciária.

2 DECADÊNCIA

Decadência provém do latim cadens, de cadere (cair, perecer, cessar).  É palavra formada pelo prefixo latino de (de cima de), pela forma verbal cado (decadere) e pelo sufixo encia (ação ou estado), tendo por significado a ação de cair ou o estado daquilo que caiu.

Juridicamente, decadência é a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi de origem subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício tivesse se verificado.

A lei estabelece lapsos de tempo, denominados prazos decadenciais, dentro dos quais o titular de um direito deve exercê-lo, sob pena de perdê-lo.

2.1 Distinção

A decadência e a prescrição diferem relativamente ao seu objetivo e momento de atuação, por isso que, na decadência, a inércia diz respeito ao exercício do direito e o tempo opera seus efeitos desde o nascimento deste, ao passo que, na prescrição, a inércia diz respeito ao exercício da ação e o tempo opera seus efeitos desde o nascimento desta, que, em regra, é posterior ao nascimento do direito por ela protegido. 

Além disso, a decadência não suspende, nem se interrompe, e só é impedida pelo exercício do direito a ela sujeito; a prescrição pode ser suspensa ou interrompida por causas preclusivas previstas em lei.

No que tange ao direito tributário, a decadência é o direito de o sujeito ativo constituir o crédito tributário com o lançamento em certo período. Já a prescrição corresponde à perda do direito de ação para a cobrança do crédito tributário se decorrido um lapso de tempo, contado da data de sua constituição definitiva.

3 PRESCRIÇÃO       

Do latim praescriptione, ato ou efeito de prescrever, “a prescrição tem um conceito não-específico ao Direito da Seguridade Social, mas no ordenamento jurídico pátrio em geral” (Martins, 2006, p.256). Trata-se de um instituto de ordem jurídica que confere estabilidade às relações jurídicas, respeitando o direito adquirido dentro de lapsos de tempo estabelecidos e evitando a indefinição permanente de situações controversas.

Segundo Horvath Júnior (2005, p.382), prescrição é a perda do direito de ação (cobrança) do crédito tributário. O Código Civil, em seu artigo 189, estabelece que prescrição diz respeito á perda da exigibilidade do direito ou da pretensão do direito em razão do decurso de prazo e não mais á perda do direito da ação. A teria geral do direito ensina que “na prescrição o direito sobrevive sem proteção, distinguindo-se, nesse ponto, da decadência que atinge o próprio direito”.

Para Derzi (2008, p.909), tanto a decadência como a prescrição são formas de perecimento ou extinção de direito. Fulminam o direito daquele que não realiza os atos necessários a sua preservação, mantendo-se inativo. Pressupõem ambas dois fatores: a inércia do titular do direito; o decurso de certo prazo, legalmente previsto.

A prescrição depende da existência de uma ação exercitável pelo titular de um direito, inércia desse titular em relação ao uso da ação durante certo tempo, ausência de um ato ou um fato a que a lei atribua uma função impeditiva (suspensiva ou interruptiva) do curso do prazo prescricional.

4 PRESCRIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

A contribuição previdenciária passou ser considerada de natureza tributária somente a partir da edição do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966).

A Lei nº 3.807/60 (LOPS), art. 144, estabelecia que “o direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas prescreverá, para as instituições de previdência social, em trinta anos”.

O ART. 144 da Lei nº3.807 foi revogado pelo Código Tributário Nacional (CTN). Segundo Sérgio Pinto Martins, o CTN é lei complementar e disciplinou os prazos de prescrição e decadência para a cobrança de tributos, além de ter determinado a natureza tributária da contribuição previdenciária no inciso II do art.217, ao enquadrá-lo como outras formas de contribuição. Assim, prescrição e decadência previdenciárias ficariam sujeitas aos arts. 173 e 174 do CTN, que versam sobre decadência e prescrição tributárias.

A Emenda Constitucional nº8/77 alterou o inciso I do parágrafo 2º do art. 21 da Emenda Constitucional nº1/69, estabelecendo que a União poderia instituir “contribuições, observada a faculdade prevista no item 1 deste artigo, tendo em vista intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social”. A emenda Constitucional nº8, de 1977, incluiu o inciso X ao art. 43 da Lei Maior, prevendo “contribuições sociais para custear os encargos previstos para a previdência social” Com base na Emenda Constitucional nº 8/77, o STF firmou entendimento de que as contribuições previdenciárias não estariam sujeitas ao CTN.

Com a edição da Lei nº 6.830/80, o extinto TFR (Tribunal Federal de Recursos) passou a entender novamente que a prescrição era trintenária.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a contribuição previdenciária não sofreu alteração com relação à sua natureza jurídica, permanecendo como tributo. Como tal, enquadra-se como contribuição social prevista no art. 149 da Carta Magna, que, ao fazer remissão ao inciso III, alínea “b”,  do art.146 da mesma norma, preceitua que os prazos de prescrição e decadência devem ser estipulados por lei complementar.

Como a Lei 8.212/91 não é complementar, e sim ordinária, prevalece o entendimento dos arts.173 e 174 do CTN, no sentido de considerar qüinqüenal os prazos de decadência e prescrição da contribuição previdenciária, sendo, portanto, inconstitucionais os dispositivos previstos nos arts. 45 e 46 da citada lei.

5 DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS

Ao tratar de decadência e prescrição, dispõe o CTN, em seus artigos 173  e 174:

Art. 173:  O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5(cinco) anos, contados :

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Já a Lei 8.212/91, ao tratar dos mesmos institutos, preceitua :

Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada.

Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.

Para alguns doutrinadores, o prazo decadencial previsto no artigo 45 da Lei 8.212/91 é inconstitucional, uma vez que contraria o prazo estabelecido no artigo 173 da Lei 5.172/66(CTN).

Se considerada norma geral de direito tributário, os prazos relativos à decadência e prescrição somente poderiam ser estabelecidos por lei complementar.

Se considerada como norma específica, nenhum impedimento haveria de ser fixado pela lei ordinária.

Considerando que a Lei 5.172/66 foi recepcionada pelo nosso ordenamento jurídico como lei complementar e, tratando-se a Lei 8.212/91 de lei ordinária, resta verificar se a fixação do prazo diz respeito ou não à regra geral de matéria tributária.

Para Marcelo Leonardo Tavares (2007, p.335-36), “estabelecer norma geral é delinear determinado instituto jurídico, dando-lhe contornos e estabelecendo princípios. A previsão de prazo não contém caráter de generalidade. É pontuação específica da duração de período. Trata-se, pois, de norma sem caráter de geral e que poderia ter sido estatuída por lei ordinária, mas que foi formalmente incluída em instrumento recepcionado como lei complementar(CTN). E, sendo assim, nada impede que uma lei ordinária posterior estipule de forma diversa, direcionada para uma espécie tributária. Sob esta ótica, inexiste inconstitucionalidade por invasão de competência material qualificada pelo art. 45 da Lei 8.212/91.

Ainda segundo o mesmo autor, “o raciocínio quanto à eventual invalidade de estipulação de prazo prescricional diverso ao artigo 174 do CTN é o mesmo já abordado para a decadência”.

Também para Marco André Ramos Vieira (2006, p.297), “a Lei 8.212/1991 surgiu estabelecendo normas específicas para a previdência social e, nesse sentido, pode alterar o prazo prescricional e decadencial”.

Já para Marcos de Queiroz Ramalho (2008),” com a promulgação do texto constitucional de 1988, as contribuições sociais foram dispostas dentro do sistema tributário nacional e dos princípios constitucionais que regem os tributos”. Para ele, o artigo da Lei 8.212/91, que trata da decadência das contribuições previdenciárias, “é manifestamente inconstitucional por não respeitar o nascimento de uma nova ordem constitucional, instituindo prazo diferenciado de lei tributária.”

Segundo o mesmo autor, o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), apesar de se tratar de Lei Federal, foi recepcionado pela nossa Lei Suprema atual como lei-complementar, no aspecto formal. Já a lei de custeio da Seguridade Social assim não pode ser aceita, uma vez que só pode ser alterada por lei-complementar, conforme comando expresso do texto constitucional :

Art.146. Cabe à lei complementar :

I – dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre :

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

6 CONCLUSÃO

 

A polêmica acerca do prazo decadencial e prescricional envolvendo a constituição do crédito relativo às contribuições previdenciárias reside no fato de verificar se a estipulação do dos referidos prazos diz respeito ou não à regras gerais em matéria tributária.

Apesar da divergência doutrinária ainda existente, o Poder Judicário, em decisão recente do STF, ao julgar os Recursos Extraordinários 55664, 559882, 559943 e 560626, pacificou a questão ao considerar que, por se tratar de normas gerais, aplica-se o prazo qüinqüenal previsto nos artigos 173 e 174 do CTN.

Tal decisão teve por fundamento, dentre outros, de que as contribuições, inclusive as destinadas à Seguridade Social, têm natureza tributária e sujeitam-se ao regime jurídico-tributário, sendo alcançadas, pois, pelas normas gerais de Direito Tributário, previstas no artigo 146, III, “b”, da Constituição Federal de 1988.

Prevaleceu o entendimento de que se a Constituição reservou à lei complementar a regulação da prescrição e da decadência tributárias, considerando-as de forma expressa normas gerais de Direito Tributário, não há espaço para que a lei ordinária atue e discipline a mesma matéria.

Foi aprovada a modulação do tema, pela Súmula Vinculante nº 8, que assim dispõe: são inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de créditos tributários.

Embora pacificada, vale ressaltar que tal decisão acarretará uma perda substancial de recursos aos cofres da Previdência, merecendo destaque, dentre outros, o entendimento de Marco André Ramos Vieira (2006, p.297), segundo o qual “caso a previdência não recupere seu crédito, perderá em duplicidade, senão vejamos: deixará de ter recolhido o tributo devido e terá que pagar os benefícios previdenciários”.

Segundo o mesmo autor (Vieira, 2006,p.297) “a natureza das contribuições previdenciárias justifica um prazo mais dilatado, pois independente de os recursos terem ingressado nos cofres públicos, o INSS terá que honrar os pagamentos dos benefícios previdenciários.”

REFERÊNCIAS

 

DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de Atualização. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.909.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário.5ª ed. São Paulo: Quartier Latin. 2005. 376-382 p.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 23ª ed. São Paulo: Atlas.2006. 254-262 p.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007. 335-336p.

VIEIRA, Marco André Ramos. Manual de Direito Previdenciário. 6ª. Niterói: Impetus.2006.294-302 p.

RAMALHO, Marcos de Queiroz. O prazo decadencial das contribuições sociais do sistema de Seguridade Social. Disponível em  http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02/ano1_vol_2_12.pdf. Acessado em 14/06/2008.

BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, Brasília: Poder Executivo, 1988

BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.Dispõe sobre organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências.