IEPREV - Previdência Complementar: Aspectos de Direito Material e Processual

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Previdência Complementar: Aspectos de Direito Material e Processual

 


PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR:

ASPECTOS DE DIREITO MATERIAL E   PROCESSUAL

Thiago  Antunes Lobato - Especialista em Direito Previdenciário


 

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste na análise da Previdência Privada, através de seus aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais, atendo-se ao estudo da origem deste instituto legal, sua natureza em face do Regime Geral de Previdência, os reflexos nas demais áreas do Direito, como a natureza contributiva das contribuições vertidas para o sistema previdenciário complementar, prazo prescricional e por fim, a competência para julgamento das lides envolvendo o regime privado de previdência.

 

É imperioso o estudo deste tema, pois após a edição da Lei Complementar 109/2001, que regulou o sistema de previdência privada em nosso país, o trabalhador passou a dispor de um instrumento eficiente, para a manutenção de sua condição econômica ao se aposentar,  como o demonstrado a seguir.

 

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA - DA PREVIDÊNCIA SOCIAL A PREVIDÊNCIA PRIVADA

 

Sempre houve por parte do homem a preocupação em se  preservar diante das conseqüências que determinados acontecimentos poderiam-lhe acarretar, principalmente aqueles relacionados com a sua subsistência. Esta preocupação é acentuada na história da humanidade, com a Revolução Industrial, em que havia por parte das classes dominantes, na época os industriários, a busca incessante pelo acúmulo de riquezas, em detrimento do bem-estar do trabalhador, pois esta busca ocasionava em jornadas de trabalhos absurdas, desgaste dos trabalhadores, acidentes no ambiente de trabalho, desemprego em massa e corrosão da família.

 

Para coibir as mazelas trazidas pela ambição da burguesia industrial, surge no pólo oposto, à classe operária,

 

essa começou a reivindicar por melhores condições de trabalho, salários dignos e garantias diante das conseqüências trazidas pelo trabalho, já que à medida que o processo sócio-econômico tornava-se mais complexo, eram atraídos para a sociedade determinados riscos sociais, tais como: Desemprego, acidentes, incapacidades etc. (DELGADO, 2004 p.86).

 

O Previdenciarista Manoel Sebastião Póvoas, trás interessante assertiva a respeito deste momento: “... os Estados tiveram de abandonar  a sua cômoda posição liberal e tomar decidida posição na questão social, quando as correntes socialistas, sobretudo a do socialismo científico, ameaçaram solapar as bases do capitalismo”. ( PÓVOAS, 2007, p.36). Deste este período, o direito à assistência social, compôs juntamente com os demais direitos de índole individual, provenientes do modelo liberal, os direitos humanos.

 

A partir deste marco histórico, surge a Relação Previdenciária. Relação esta que difere no atinente ao objeto da relação formada entre proletariado e burguesia industrial, pois esta visa à prestação de trabalho remunerado, enquanto que a previdenciária aspira á proteção do trabalhador diante dos riscos sociais.

 

A Inglaterra foi à pioneira em apresentar para seus cidadãos sistemas legais que visassem à assistência e a proteção das camadas desprovidas, por exemplo, em 1.712 este país estabeleceu sistema de aposentadorias para seus funcionários públicos. (PÓVOAS, 2007).  

 

Por sua vez, na Alemanha entre 1883 e 1889 foram publicadas as primeiras leis relativas a seguros sociais obrigatórios. Estes diplomas legais visavam a proteger os trabalhadores de determinados infortúnios, tais como: Doença, acidente  e invalidez.

 

Concomitantemente, desenvolveram-se outros sistemas previdenciários, como os das Caixas e Aposentadorias, que não contavam com a presença direta do Estado em sua formação, mas apenas em sua fiscalização. Estas instituições eram criadas pelas próprias empresas, exemplo da  Gás Light and Coke CO, em 1870 na Inglaterra. (PÓVOAS, 2007, p. 45)

 

Os Estados Unidos da América possuíam esquemas previdenciários consideráveis, que proporcionavam a cobertura de benefícios de aposentadoria, pensões por invalidez e morte, além de planos oferecidos por empresas ou seguros.

 

Observamos que até esta época, não havia uma distinção que definisse a área de atuação do Estado e da iniciativa privada nos sistemas previdenciários. Esta divisão começou a ser traçada em 1883 na Alemanha com Otto Von Bismarck. Naquela época foi instituído o seguro-doença, obrigatório para os trabalhadores da indústria, sendo que as contribuições para custear este benefício tinham a participação do Estado, empresas e trabalhadores.

 

Segundo Lazzari e Castro, esse sistema: 

 

é denominado de capitalização, pois constituía em uma poupança compulsória, que abrangia apenas os assalariados contribuintes. Não havia a noção de sistema previdenciário solidário, podendo ser considerado, portanto como o embrião de todos os sistemas previdenciários conhecidos atualmente. (LAZZARI, CASTRO, 2006, p.43)

 

Seguindo a criação do modelo de repartição, no século XX a Previdência Social se destacou com a sua constitucionalização, fenômeno este que originou com a Constituição do México em 1917, seguida da Constituição Alemã de 1919.

 

A expansão do Direito Previdenciário alcançou considerável repercussão no período de 1919 e 1945, quando vários países da América Latina, Ásia e Oceania, o incorporaram como parte integrante dos direitos sociais.

 

Entre 1941 e 1946 houve a reformulação do sistema inglês de seguro social,  promovida por Lord Beveridge. Como peculiaridade em relação ao modelo de Bismarck, o modelo de Beveridge tornava universal o acesso à previdência, retirando a exclusividade dos contribuintes e possibilitando a todos o usufruto de seus benefícios. Com isto a capitalização cedeu espaço para o sistema de repartição, com a participação solidária de todos da população. (LAZZARI E CASTRO, 2006)

 

No Brasil, a impulsão nos modelos previdenciários é considerada a Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682/1923). “Esta lei criou a Caixa de Aposentadoria e Pensão para os empregados das empresas ferroviárias, servindo de estímulo para a criação de demais caixas de aposentadoria e pensão em nosso país”                         ( TAVARES, 2007. p.43), cultivando uma “ cultura previdenciária” no brasileiro.

 

Póvoas (2007) credita o surgimento desta cultura aos primeiros colonizadores do território brasileiro, com a criação dos montepios em Santos no ano de 1545.Ainda no Regime Imperial foram instituídas outras caixas de assistências a trabalhadores de determinadas atividades, cite-se a Lei 3.397 de 1888.

 

Estas caixas de assistência e montepios serviam como fundos de pensão, em que a empresa da qual o trabalhador pertencia, garantia a estes a sua subsistência diante dos infortúnios da relação de trabalho.          

 

No Brasil, o conceito de Seguridade Social como o conhecido hoje, unificando assistência, previdência e saúde, ocorreu com a C.R.F.B/88. Desta forma houve considerável avanço no ordenamento jurídico brasileiro, que por fim culminou com a edição das leis 8.212/91 e 8.213/91.

 

A par destes acontecimentos, desenvolveu-se no mundo, o sistema de Previdência Supletiva, comumente reconhecida como Previdência Complementar, muito embora o embrião desta, seja o mesmo que originou a Previdência Social. Este sistema visava o oferecimento de planos previdenciários, que resumidamente, aspiravam à cobertura de benefícios por morte, doença, desemprego, aposentadoria.

 

Este desenvolvimento encontrou respaldo à medida que a massa trabalhadora sentiu a necessidade de ampliar suas garantias, diante dos infortúnios que poderiam acometé-la, desenvolvendo a natureza de complementariedade em relação ao oferecido pelo Estado.

 

Este sistema, ao contrário do sistema de seguridade social que possui o princípios da solidariedade, fundamenta-se no mutualismo e divisão de riscos.

 

O marco legislativo da Previdência Complementa em nosso país é a Lei 6.435/77 que definiu a Segurança Supletiva (Povoas, 2007) como Previdência Complementar, sofrendo algumas alterações introduzidas pela lei 6.462/1977. É de salutar importância constar que, entidades de previdência complementar já existiam bem antes desta lei, como Verbi Gratia  a criação da MONGERAL-Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado, ou os ”IAP`S”, entretanto, a regulamentação legal com o escopo de permitir a todos os trabalhadores participarem desta modalidade de previdência, ocorreu apenas com a edição da Lei 6.435.

 

Póvoas esclarece que:

 

o caráter institucional da previdência supletiva é dado pela existência de um sistema de estruturas intelectuais e materiais que nasce e se organiza para ocorrer às necessidades previdenciárias que o homem não consegue satisfazer, através de mecanismos da instituição da segurança social.(PÓVOAS, 2007, p.103)

 

A Previdência Complementar tem sua existência legitimada nas condições sociais e econômicas do segurado, pois a previdência social para que seja viável, deve possuir um limite máximo de proventos, ocasionando em determinados casos perdas para o trabalhador que receba acima deste limite.

 

No Brasil a Previdência Privada é dividida por dois subdomínios; Previdência Fechada e Previdência Aberta, sendo dado a estas, dois enquadramentos totalmente distintos um dos outros. Isto refletiu no campo legislativo, sendo editados dois decretos, o Decreto nº 81.240 que regulamentou as entidades fechadas e o Decreto 81.402 que regulamentou as entidades abertas.

 

O acontecimento notório no campo da Previdência Privada foi sem dúvida a sua constitucionalização, presente no artigo 202 da CRFB/88.  

 

A CRFB/88 previa em sua redação original, a existência de um regime complementar de previdência, cuja gerência seria exercida pelo INSS, portanto de natureza pública. A Emenda Constitucional nº 20, determinou a autonomia do sistema previdenciário complementar, dando-lhe natureza particular.

 

Convém mencionar que as características basilares do Sistema Previdenciário Complementar, é a sua autonomia em relação ao Regime Geral e a facultatividade.

 

Em relação ao plano infraconstitucional, existe a Lei Complementar 109/201, que dispõe sobre aspectos básicos da previdência complementar. A citada lei  confirma em seu bojo o determinado na  Constituição da República de 1988, ensejando que esta é constituída através do acúmulo de reservas, conforme o preconizado pelo modelo Bismarckiano. Convém mencionar a revogação da Lei 6.435/77, com o advento da LC mencionada, e dos decretos que a regulamentavam.    

 

Conforme determinação preconizada pela L.C 109/2001, as entidades de previdência só poderão instituir planos de benefícios que possuem autorização específica do órgão fiscalizador.

 

É permitida a estas entidades, com o escopo de assegurarem o cumprimento das obrigações contratadas, a opção de contratar operações de resseguro. Esta garantia que a legislação concede as entidades, em diversos lugares do mundo, como no caso do Chile, é cumprida pelo Estado.

 

Trataremos de modo mais específico no próximo tópico sobre estas entidades.   

 

3 PREVIDÊNCIA PRIVADA - SUAS SUBDIVISÕES - A) PREVIDÊNCIA ABERTA- B) PREVIDÊNCIA FECHADA

 

Esclarece a doutrina que o sistema de Previdência Complementar visa à suplementação das necessidades previdenciárias, que o indivíduo não consegue satisfazer por meio da Seguridade Social, já a lei as define como:

 

 as que têm objetivo instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos. (PÓVOAS, 2007, p.103)

 

Sendo a natureza da Previdência Supletiva, complementar a Previdência Social, não há dúvidas de que deverá ser enquadrada na Seguridade Social. A doutrina nos esclarece de maneira inequívoca sobre esta afirmação. (Amaral Filho, 2005)

 

A Previdência Privada, no caso o modelo brasileiro, possui duas subdivisões; entidades abertas e fechadas. Estas entidades possuem tratamento diferenciado, seja no campo legal, seja no campo estrutural.

 

O artigo 4º da Lei 6.435/77 que classifica as entidades determina que a classificação entre aberta e fechada, é em função da relação estabelecida entre entidade e participante, sendo que as fechadas são oferecidas apenas aos empregados de uma ou mais empresas, enquanto que as entidades abertas são oferecidas a quem queira nelas se inscrever.

 

Outra fonte de classificação reside na forma de constituição das entidades. As entidades abertas deverão necessariamente ser sociedades anônimas, objetivando o lucro, enquanto que as entidades fechadas serão sociedades simples, sendo que não deverá ser almejado o lucro.

 

As entidades de Previdência aberta oferecem seus planos de benefícios a todos de forma indistinta, sendo mantidas por uma instituição financeira geralmente, denominada de instituidora. O Decreto 81.402/78 define as entidades abertas como “... sociedades constituídas com a finalidade de instituir planos de pecúlios ou de renda, mediante contribuição de seus participantes”.

 

Importante mencionar, que estas entidades se subdividem em razão de sua finalidade; Lucrativa, quando necessariamente deverão ser sociedades anônimas  ou sem fins lucrativos quando a estrutura empresarial a ser adotada será de sociedade simples ou fundações.

 

Estas entidades oferecem benefícios a serem pagos em renda de forma continuada ou pagamento único, acessíveis a qualquer pessoa física. Cabe esclarecer, que estes benefícios são oferecidos ao mercado na forma de planos.

 

Com a finalidade de esclarecer sobre a figura dos planos oferecidos no mercado, a SUSEP os define como “... o conjunto de direitos e obrigações, previstos em lei e que poderão ser alterados para fins de adequação financeira, atuarial e econômica”. ( SUSEP, 2008)

 

Todas as entidades se submetem a um órgão normativo especificamente que tem como função, emitir resoluções, que, todavia serão observados pelas entidades.  As entidades abertas por integrarem o Sistema Nacional de Seguros Privados são vinculadas ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) . Dentre as diversas atribuições cometidas a este órgão, destaca a delimitação do valor mínimo do capital das entidades abertas de fins lucrativos e o fundo de contribuição das entidades sem fins lucrativos.

 

Apenas a título de elucidação, já que o tema proposto não permite prolongamento nestas questões, compõem o Sistema Nacional de Seguros Privados, o Conselho Monetário Nacional (CMN), a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

 

A Lei Complementar 109/2001, que regulamenta a previdência complementar brasileira, determina que os planos oferecidos pelas entidades poderão ser contratadas individualmente, ou coletivamente. Esta última forma de contratação parece com a realizada com as entidades de previdência fechada, pois possibilita a contratação de um grupo de pessoas vinculadas direta ou indiretamente, a uma pessoa jurídica que contrata o plano, sendo que esta pessoa jurídica é preexistente, ao contrário da previdência fechada.

 

Por seu turno as entidades fechadas não poderão ter finalidade lucrativa, pois o seu campo de atuação não é o mercado, mas os empregados de determinada empresa. O Decreto 81.240/78 regulamentou as entidades de previdência fechada, definindo-as como:

 

[...] sociedades civis ou fundacionais criadas com o objetivo de instituir planos privados de concessão de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, acessíveis aos empregados ou dirigentes de uma empresa, as quais, para os efeitos deste regulamento, serão denominadas de patrocinadoras.

 

Nota-se que conforme a conceituação trazida pelos decretos 81.402/78 e 81.240/78 que regulamentam respectivamente as entidades de previdência aberta e fechada, haverá significativa diferença em relação à natureza das contribuições, repercutindo inclusive em diferentes searas do Direito.

 

Os planos oferecidos por estas entidades são fornecidos exclusivamente, ao empregados das empresas patrocinadoras dos fundos de pensão, e aos servidores da União, Estados e Municípios. Cabe destacar, que os entes políticos só poderão contratar com fundos de previdência privada fechada.

 

Por fim, cabe esclarecer que as entidades de previdência fechada são submetidas ao MPAS , Conselho de Previdência Complementar e Secretaria da Previdência Complementar.

 

4 A NATUREZA JURÍDICA DAS  RELAÇÕES ORIUNDAS DA PREVIDÊNCIA PRIVADA – ASPECTOS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS.

 

Embora seja árdua a tarefa de definir a natureza jurídica advindas da relação previdenciária, se faz necessário à medida que, sendo definidas, será conhecida a legislação aplicável e a competência para julgar as causas atinentes a elas.

 

A relação previdenciária entre entidades abertas e participante, segundo Póvoas (2007, p.241) “é notadamente previdenciária,  pois há o pagamento de contribuições, para que então surja o direito a perceber os benefícios, diferentemente da formada entre sócios e entidade, que é contratual”.

 

Havendo, portanto a contraposição de interesses oriundos da dualidade de relações jurídicas formadas no âmbito das entidades de previdência aberta, sendo que em um existe o interesse privado e em outro o interesse respaldado em caráter social, não poderá haver deliberações entre sócios e entidade, que constituam mudanças na esfera jurídica do participante, pois obviamente o interesse previdenciário se sobrepõe ao privado.

 

Existem variações no sistema aberto de previdência, quanto ao objeto da entidade diferentemente da relação formada entra a entidade instituída e seus sócios.

 

As entidades abertas que não possuem a finalidade lucrativa são conhecidas como “ montepios”. Estas empresas necessariamente deverão obedecer à forma de sociedades simples, de acordo com a Lei 6.435/77.

 

Nos montepios, existe a noção de mutualismo, ou seja, a divisão de riscos entre entidade e participante, procurando-se compensar os efeitos do acaso sobre o patrimônio material e cultural das pessoas, enquanto que o segurador compensa estes riscos.

 

Nas entidades abertas com fins lucrativos, o contrato firmado entre entidade e participante, a exemplo das fechadas, também é previdenciário. Neste caso há a realização de um contrato previdenciário entre ambas as partes.

 

Registre-se o posicionamento em contrário de Amaral Filho (2005), que defende a idéia de que o vínculo é meramente contratual, não havendo para este a figura do contrato previdenciário. Embora haja divergências neste sentido, é indiscutível que a relação é contratual, já que existe a facultatividade, a razão de parte considerável da doutrina utilizar a expressão  “ contrato previdenciário” tem vez, quando - se depara na existência de desigualdade entre os contratantes, devendo  interpretar as cláusulas do contrato em favor do participante.

 

As entidades abertas fornecem seus serviços de maneira indistinta, por meio de planos previdenciários, oferecidos há um número infindável de pessoas. Estes serviços por seu turno são obtidos por meio de contratos de adesão entre participantes e instituidora, sendo que estes são destinatários finais do serviço prestado.

 

Sendo, portanto a relação firmada entre entidades e participantes de natureza consumerista, existe para aqueles que contratam estes planos vários benefícios permitidos pela legislação, tais como; Interpretação de cláusula mais favorável para o participante do plano, inversão do ônus da prova.

 

O Superior Tribunal de Justiça já proferiu acórdão, em que é confirmado este entendimento (STJ, RESP nº 306.155, relatora Ministra Nancy Andrighi, D.J 25/02/2002) . Sendo a relação jurídica formada entre entidade e participante contratual, as contribuições vertidas para as entidades possuem natureza jurídica de preço, pois visam a arcar com o serviço a ser fornecido, ainda que de forma diferida.

 

Ao contrário da facilidade para definir a natureza das contribuições para as entidades de previdência aberta, as destinadas para as entidades de previdência fechada não possuem a mesma qualidade, havendo discussões fundadas a este respeito. Acreditamos que tais divergências sejam em decorrência de que seus participantes sejam integrantes da empresa, que por seu turno é a mantenedora do fundo, surgindo à indagação a respeito se seriam verbas salariais ou não.

 

É indubitável que não existe na relação entre participante e entidade, a natureza consumerista presente no caso das entidades de previdência aberta, pois os planos não são oferecidos ao mercado, mas ao grupo de trabalhadores da empresa instituidora. Não poderia ser também securitária stricto sensu, pois o objeto são situações em que se configura um risco social específico como às aposentadorias, embora haja a interseção entre previdência e seguro, em se tratando de riscos relacionados à morte. 

 

Apenas para melhor compreensão do descrito no parágrafo acima, risco social é inerente ao trabalhador, ao contrário dos contratos de seguros que trata de outros tipos de riscos. Os riscos sociais quando materializados, cria uma situação de desigualdade em relação aos demais. Desta concepção, fundamenta-se a existência da previdência.

 

Também ao tratar de Previdência Complementar fechada, deve-se tratar das diversas relações que existem em sua constituição. Nestes casos, a empresa constitui uma sociedade civil sem fins lucrativos, em que farão parte a própria empresa, a sociedade simples criada com este fim, e os trabalhadores da empresa, surgindo, portanto, relações entre empresa e entidade e entre participante e entidade.

 

A primeira relação é de patrocínio, em que ambas realizam contrato societário, em que a empresa se compromete a contribuir com a parte destinada a ela, e a segunda se compromete a arcar com os pagamentos dos benefícios. Difere esta da relação firmada entre empresa e trabalhador.

 

A relação firmada entre a entidade e trabalhador é autônoma da  formada entre trabalhador e empresa, sendo inclusive contínua nos casos em que há rompimento do vínculo empregatício.

 

Contudo, observam-se as implicações na seara trabalhista, quando tratamos das contribuições vertidas pela empresa.  A CRFB/88 veda a integração das contribuições vertidas pelo empregador ao contrato de trabalho, nem a remuneração dos trabalhadores, ao contrário dos benefícios, já a CLT determina que a previdência privada não integra o salário do trabalhador ( art.458, par.2º, VI).

 

Por seu turno, a Lei Complementar 109/2001 determina que as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.

 

A princípio as contribuições que objetivam o custeio das entidades de previdência fechada, possuem natureza civil, pois decorrem de relação contratual realizada entre entidade e empregado, autônoma a relação empregatícia. Especificamente, dentro da natureza civil, nos parece que estas contribuições se aproximam das securitárias ao invés do preço, presente nas entidades abertas.

 

Contudo, haja determinações constitucionais e legais determinando a ausência do caráter salarial das contribuições, é cediço que se os planos de previdência complementar, forem destinados a apenas parte dos trabalhadores da empresa, as contribuições vertidas pela empresa  terão caráter salarial. Explica-se; para que possua natureza salarial, a verba destinada pela empresa ao trabalhador deverá ser em decorrência de uma contraprestação de serviço por parte do trabalhador. As contribuições vertidas pela empresa são estranhas a esta contraprestação, embora seja para trabalhador desta.

 

O renomado Godinho Delgado trata em sua obra sobre a definição de salário “ Salário é o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregado ao empregador em função do contrato de trabalho” .(DELGADO,2004, p.681)

 

Somos da posição em que, ainda que hajam situações de planos oferecidos para parte dos funcionários da empresa, em detrimento dos demais, as contribuições a cargo da empresa, assim como o próprio contrato firmado entre entidade e empregado não poderão integrar o salário ou o contrato de trabalho, pois se trata de situação estranha à relação de trabalho, embora uma se origine da outra.

 

Também não integraria as demais parcelas remuneratórias, pois a CLT preceitua no artigo 457, que a remuneração engloba o salário e as gorjetas, sendo estas parcelas pagas por terceiro diretamente ao empregado.

 

5  DA PRESCRIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES

 

Miranda (1955), disserta em sua não menos cultuada obra “ Tratado de Direito Privado” sobre o que seja prescrição. Vejamos:

 

 No Código Civil brasileiro e na ciência jurídica, escoimada de teorias generalizantes, prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensa ação... ( MIRANDA, 1955, p.100,v. VI)

 

A Lei Complementar 109/2001 trata a respeito da prescrição. Vejamos:

 

Art. 75. Sem prejuízo do benefício, prescreve em cinco anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes, na forma do Código Civil.

 

O STJ em súmula 21 , já se posicionou sobre o tema suscitado; “A ação de cobrança de parcelas de complementação de aposentadoria pela previdência privada prescreve em cinco anos”.

 

É portanto indubitável, que em se tratando de contribuições vertidas para o sistema privado de previdência, estas irão prescrever em cinco anos.

 

6  COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DAS LIDES ENVOLVENDO A PREVIDÊNCIA PRIVADA

 

Definidas as naturezas jurídicas das relações firmadas entre entidade e participante, torna-se imperioso a reflexão desta na esfera do direito processual, mais notadamente no atinente a competência.

 

Competência é comumente entendida como a “medida de jurisdição”, que decorre da função do Estado de julgar e solucionar conflitos que existam em seu território. Sendo, portanto a competência “medida de jurisdição”, e a jurisdição  exercida em todo território do Estado, não é difícil perceber a necessidade de repartição deste instituto do Direito Processual. Portanto a repartição é a ” medida de jurisdição”, ou seja, a competência.

 

No caso das lides que envolvam a Previdência Complementar o nível de dificuldade para ser definida a competência varia de acordo com a natureza da relação que é estabelecida entre entidade e participante.

 

Tratando da competência jurisdicional para julgamento das lides envolvendo Previdência Complementar Aberta, não nos parece dificultoso, determinarmos que a competência seja da Justiça Estadual, pois a relação é nitidamente consumerista. O Colendo Superior Tribunal de Justiça no RESP 306155 sustenta esta posição:

 

EMENTA

 

Civil e Processo Civil. Recurso Especial. Embargos de declaração

 

protelatórios. Previdência privada. Aplicação do código de defesa do consumidor.Ofensa ao ato jurídico perfeito. Matéria infraconstitucional. Reexame fático-probatório. Interpretação de cláusulas contratuais. Prequestionamento.Fundamento inatacado do acórdão recorrido (Colendo Superior Tribunal de Justiça no RESP, 2008).

 

O enquadramento da relação entre entidade e participante, como consumerista, constitui para este último um infindável número de privilégios, notadamente os direitos previstos no artigo 6º da Lei 8072/90.

 

Em se tratando de Previdência Fechada, o assunto torna-se discutível, pois em que pese não persistir a natureza salarial das contribuições previdenciárias, a Jurisprudência vem inclinando para a tese, de que cabe a Justiça do Trabalho a análise das ações que versem sobre complementação de aposentadoria privada, embora ainda persistem muitos entendimentos em contrário.

 

O certo é que nenhum dos diplomas legais que regulam atualmente o sistema de previdência complementar, tratam da questão da competência para julgamento. Embora a redação do artigo 202, par.2º da CRFB/88, modificado pela EC 20/98, determine que a relação de previdência complementar não integre o contrato de trabalho, não significa que a competência não seja da Justiça do Trabalho, pois a CRFB/88 trata do direito material do trabalho e não do processo.

 

Logo, se inexiste o instrumento legal, caberá a doutrina e a jurisprudência a enfrentar este tema.

 

O artigo 114 da CRFB/88 determina que ;

 

[...] Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

 

Parágrafo 3- Compete ainda, à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir (introduzido pela Emenda Constitucional nº. 20/1998).

 

O artigo citado acima é claro em determinar que compete a Justiça do Trabalho, o julgamento das lides que envolvam interesses de trabalhadores e empregadores, não havendo especificação de quais seriam estes interesses. Logo não nos parece razoável delimitar matéria na qual a Carta Magna não delimita.

 

Argumento bastante convincente que contraria aqueles que acreditam que o artigo 202, par.3º, retirou da Justiça do Trabalho, o direito a julgar as ações que versem sobre previdência complementar fechada, reside no Enunciado 277  do TST " as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos". Temos portanto que a competência da Justiça do Trabalho ultrapassa a matéria do contrato formulado entre empregadores e trabalhadores, residindo no que se origina da relação de emprego.

 

O mesmo se trata a respeito da inexistência da natureza salarial das contribuições vertidas para o sistema, em regra, pois ainda que persista tal inexistência, caberá a Justiça do Trabalho a competência para julgamento. Exemplo disto é em relação à divisão de lucros, previsto no artigo 7º da CRFB/88, que não possui natureza salarial, pois não há habitualidade, requisito este essencial para se configurar a natureza salarial da parcela.

 

O Egrégio TRT 3ª Região por seu turno sustenta jurisprudência que determina que é da competência da Justiça do Trabalho o julgamento de causas referentes à complementação de aposentadoria privada. Vejamos:

 

PUBLICAÇÃO: DJMG 15.12.2005, 16.12.2005 e 17.12.2005


TEXTO: "2. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar demandas relativas à complementação de aposentadoria a cargo de entidade de previdência privada instituída e patrocinada pelo empregador, decorrente de contrato de trabalho”.

 

O Tribunal Superior do Trabalho, paulatinamente vem acolhendo a tese suscitada acima. Na súmula 288, é determinado que a complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando  as normas posteriores se benéficas.

 

Nota-se com fundamento na súmula 288 do TST, que houve uma preocupação em preservar a expectativa de direito da parte, neste caso, do participante do fundo de pensão.

 

A prescrição bienal pertencente ao Direito do Trabalho, fora aplicada nas relações de previdência complementar, cristalizando este entendimento na súmula 326 do TST. A prescrição qüinqüenal também é aplicada, conforme o observado na súmula 327 do TST.

 

O Tribunal Superior do Trabalho assim decide sobre a competência; 

 

Esta Corte tem adotado entendimento no sentido de que planos de previdência complementar privada fechada, entre empregado, empregador e entidade instituída pelo empregador para a complementação de aposentadoria de seus empregados, fazem parte da competência da Justiça do Trabalho, visto que a controvérsia origina-se do contrato de trabalho. Logo, não há falar em violação ao art. 114 da CF/88. (Recurso de Revista n. 88-2003-008-08-00. 2ª Turma, publicado no DJU de 13.02.04).

 

Por seu turno o Superior Tribunal de Justiça adota tese contrária à apontada. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PREVIDÊNCIA PRIVADA.

 

Os benefícios concedidos por entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes (CF, art. 202, § 2º). Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. (STJ. CC 58023 / RS. Relator Ministro ARI PARGENDLER. DJ 26.04.2006 p. 198)

 

Contudo o Supremo Tribunal Federal adota o entendimento já pacificado na Justiça do Trabalho, pois este tribunal entende que a “Complementação de pensão ou de proventos de aposentadoria decorrente de contrato de trabalho”. Competência da Justiça do Trabalho. (RE n. 165.575-5-RJ)

 

A razão deste entendimento persiste, pois embora a relação seja estranha à relação empregatícia, possui vínculo com esta, atraindo a competência da justiça especializada.

 

7 CONCLUSÃO

Conforme observamos, a Previdência Privada constitui em considerável auxílio para o trabalhador de uma forma geral, pois permite a este ampliar ainda mais a garantia de sua subsistência diante dos riscos sociais que possam advir.

 

Contudo, conforme sabem aqueles que pretendem aprofundar os seus conhecimentos em quaisquer áreas do Direito, esta ciência das relações sociais possui laços de interdependência entre suas variadas vertentes havendo reflexos nas demais áreas do estudo do Direito. Logo, cabe aos estudiosos das Relações Previdenciárias, estudar todos estes reflexos, servindo da melhor maneira aos segurados.

 

Portanto, cabe aos aplicadores do Direito a estudarem para a melhor compreensão deste instrumento jurídico e assim orientar aqueles que optarem por ingressar neste sistema.

 

REFERÊNCIAS

 

ALVES, Hélio Gustavo; TEIXEIRA, Ederson Ricardo. Competência das Ações Previdenciárias. 1.ed. São Paulo: Quartier Latin,2007.

AMARAL FILHO, Léo do; Previdência Privada Aberta. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTR editora,2005.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado.São Paulo: Borsói Editora, v. VI, p.100, 1955.

PEREIRA DE CASTRO, Carlos Henrique; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7ª ed. São Paulo: LTr,2006.

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin,2007.

STF,(2008). Home page do Supremo Tribunal Federal. ( http// www.stf.gov.br) acesso  Abril de 2008.

STJ, (2008). Home  page do Superior Tribunal de Justiça. (http// www.stj.gov.br) acesso  Abril de 2008.

SUSEP,(2008). Home Page da Superintendência de Seguros Privados. ( http// www.susep.gov.br) acesso  Fevereiro de 2008

TST,(2008). Home page do Tribunal Superior do Trabalho. ( http// www.tst.gov.br) acesso  Março de 2008.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário.  9ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.