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Pagamento de juros de mora em relação a verbas de natureza salarial de servidores públicos estatutários

Marcelo Neves - Assessor da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região - TRT/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Administração Pública pela FGV.


 

O tema em questão, juros de mora sobre pagamento de verbas de natureza salarial de índole estatutária, ainda não foi objeto de súmula do Tribunal de Contas da União. De igual forma, não encontramos decisão de caráter normativo com espeque no §2o do art. 1o da Lei Orgânica do TCU (Lei no 8.443/92) e §3o do art. 264 do respectivo Regimento Interno.

 

Verdadeiramente, o real sentido de juros nos é dado pela doutrina, que, regra geral, dispõe que os juros constituem um preço pelo uso do dinheiro (natureza remuneratória ou compensatória), e, em outros momentos, assume um sentido inverso, i.é, serve como um preço pelo não pagamento do dinheiro (função moratória – precisamente o caso sub examine).

 

É pacífico que às relações jurídicas estatutárias, por ter caráter alimentar, se aplicam as disposições do Decreto-Lei nº 75/66 e o art. 3o do Decreto-Lei nº 2.322/87.

 

O STJ, em julgamento realizado em 16/03/99, no Recurso Especial 163295/PR (1998/0007691-3), assim pontificou:

"Os débitos decorrentes de reajuste de vencimentos de servidores públicos federais, ainda que de caráter nitidamente estatutários não trabalhistas, por consubstanciarem dívidas de valor de natureza alimentar impõe a incidência dos juros moratórios sobre seus valores na taxa privilegiada de 1% ao mês, atualizados monetariamente desde quando devidas as prestações, compatibilizando-se a aplicação simultânea do Decreto-lei nº 2.322/87 e do art. 1.062 do Código Civil." (g.n)

 

Os juros são ainda classificados como legais ou convencionais: esses requerem a expressa manifestação da vontade das partes; já aqueles, de maneira diversa, se produzem em virtude de regra jurídica previamente estabelecida. De acordo com o Código Civil revogado - em conjunto com o Decreto-Lei nº 22.626/33 (Lei da Usura) -, se legais fossem, seriam os juros fixados em 6% ao ano - o que certamente levou o legislador a estabelecer este índice na Lei nº 9.494/97, alterada em 2001 pela MP 2.180 -, ao passo que, estipulados pelas partes, poderiam alcançar o dobro desse percentual.

 

Já o Código Civil vigente (NCC), editado em janeiro de 2002, provocou fortes mudanças em relação à disposição sobre o percentual de juros.

 

Ao dispor sobre os juros moratórios, o artigo 406 do NCC prevê:

"Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". (g.n.)

 

Ora, a referida taxa corresponde ao disposto no artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual, "se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês". É dizer, atualmente o art. 406 do NCC dispensa tratamento correspondente ao do art. 3o do Decreto-Lei 2.322/87.

 

Ademais, para boa parte da jurisprudência, aos vencimentos dos servidores públicos, por serem créditos de natureza alimentar, devem-se aplicar as normas salariais, não importando se de índole estatutária ou celetista, e não aquelas próprias do Direito Civil. Por corolário, não haveria que se falar em aplicação do comando contido no então art. 1.062 do CC (6% aa), ou, atualmente, do que disposto no art. 406 do NCC (1% am). Na espécie, seguindo esse entendimento, o percentual de juros é explicado exclusivamente pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87 c/c o Decreto-Lei 75/66, incidindo juros de 1% ao mês sobre dívidas resultantes da complementação de salários, sendo certo que perfilhamos esse entendimento. Precedentes (STF, RE nº 108.835-4/SP e STJ, REsp nºs 270.5187/RS, 7.116/SP e 5.657/SP e REsp, 58.337/SP).

 

Vê-se, pois, que não existe propriamente falta de supedâneo no ordenamento jurídico para pagamento dos juros por parte do gestor público, pois não podemos olvidar que a jurisprudência [01] - in casu, diga-se de passagem, remansosa -, é também fonte do Direito Administrativo, que visa à homogeneização das decisões em âmbito administrativo.

 

De igual modo, o citado Decreto-Lei nº 75/66 é preceito próprio do Direito Público, de natureza trabalhista, sendo certo que os direitos dos trabalhadores atinentes ao salário, previstos no art. 7o da Carta Constitucional, têm expressa comunicação com o § 3o do art. 39 da Seção II (Dos Servidores Públicos) do Capítulo VII (Da Administração Pública) da CRFB/88.

 

Aduzimos ainda que, se o Estado inadmite receber seu créditos sem os acréscimos correspondentes a juros e correção monetária, não pode pretender que os débitos contraídos sejam pagos mediante critério divergente, porquanto desrespeitar-se-ia, neste caso, as garantias constitucionais e o Estado Democrático de Direito.

 

Deve, ainda, restar claro que os juros moratórios incidem em virtude de inexecução de obrigação líquida pelo devedor na data em que é exigível.

 

Pelo exposto, concluímos que, no cálculo relativo a verbas de natureza salarial de servidores públicos estatutários, devem incidir juros moratórios, segundo a taxa de 1% ao mês.

 


Notas

01 Ensina-nos Eduardo Gabriel Saad que : "a jurisprudência pode ser invocada como ‘jus novum’, quando se forma através de sucessivas e uniformes decisões sobre o mesmo assunto. Para os romanos, era autêntica fonte de direito: ‘auctoritas rerum perpetuo similiter judicator’. Diz-se que é a jurisprudência um ‘jus novum’ porque a iteração das decisões dos tribunais se converte num direito costumeiro, num direito novo."