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Princípio da unirrecorribilidade - Cabimento simultâneo de agravo interno e agravo de admissão em recurso especial/extraordinário: nova exceção ao princípio da unirrecorribilidade – Por Denis Donoso e Marco Aurelio Serau Jr.

Por Denis Donoso e Marco Aurelio Serau Jr. – 19/09/2017 [1]

Coordenador: Gilberto Bruschi
 
 

O princípio da unirrecorribilidade, também chamado de princípio da unicidade ou singularidade, é aquele segundo o qual para cada tipo de decisão judicial só cabe um recurso, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de dois ou mais recursos, pela mesma parte, contra uma mesma decisão judicial.
 

Não existe previsão legal expressa deste princípio, mas, de outro lado, não se duvida de sua existência. É que ele decorre de uma interpretação da sistemática processual. Com efeito, se o Código de Processo Civil define quais são os atos decisórios do juiz e também estipula qual o (único) recurso adequado para confrontá-los, não há razão para duvidar de que a unirrecorribilidade é adotada entre nós.
 

Jamais gerou polêmica digna de registro, igualmente, a constatação de que o princípio da unirrecorribilidade não é absoluto. A doutrina processual sempre indicou o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e especial (na hipótese de a decisão violar, a um só tempo, a norma constitucional e federal, rente ao que vem previsto no art. 102, III; e art. 105, III; ambos da Constituição) como um exemplo de situação em que de uma única decisão (acórdão) caberão dois recursos.
 

O que indagamos neste breve escrito é justamente se o sistema processual criou um novo caso em que a unirrecorribilidade se excepciona, vale dizer, se é tolerável a conclusão de que podem ser cabíveis, concomitantemente, agravo interno e agravo em recurso extraordinário ou especial contra a decisão que não admite o processamento de recurso extraordinário ou especial (§§ 1º e 2º do art. 1.030 do CPC).
 

O CPC/2015 (Lei 13.105/2015) foi concebido para acabar com o sistema do duplo juízo de admissibilidade dos recursos, que vigorava no revogado CPC/1973.
 

Assim, na redação original da Lei 13.105/2015, tanto a apelação quanto os recursos extraordinário e especial deveriam ser interpostos perante o juízo prolator da decisão recorrida (a quo), cuja função única seria a de recebê-los, proporcionar o contraditório (intimar o recorrido para, querendo, apresentar resposta ao recurso) e, sem qualquer juízo de valor quanto à admissibilidade, determinar a remessa dos autos ao tribunal competente (juízo ad quem), no qual seria procedido o único exame de admissão.
 

Este sistema – de juízo único de admissibilidade – acabou sendo mantido para o recurso de apelação[2], mas não permaneceu para os recursos extraordinário e especial.
 

De fato, o parágrafo único do art. 1.030 do CPC, que estipulava juízo único de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial[3], acabou sendo revogado pela Lei 13.256/2016, que, em resumo, restabeleceu para estes recursos a dupla admissibilidade, começando pelo tribunal a quo e repetindo no tribunal ad quem.
 

Assim, interposto recurso extraordinário ou especial, e proporcionado o contraditório ao recorrido, o caput do art. 1.030 do CPC determina que os autos sejam conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, a quem incumbe apreciar se e como o recurso interposto reúne condições de processamento, observados os parâmetros dos incisos I ao V do mesmo dispositivo legal.
 

Deste modo, uma vez que o tribunal a quo realizará ampla análise de admissão dos recursos extraordinário e especial, o legislador precisou prever os meios processuais que seriam disponibilizados às partes caso discordassem da decisão advinda da presidência ou vice-presidência do tribunal recorrido. E assim fez nos §§ 2º e 3º do art. 1.030 do CPC, dos quais foi gerada a questão de que se ocupa este artigo.
 

Da leitura dos dispositivos mencionados ao final do item anterior (§§ 2º e 3º do art. 1.030 do CPC), conclui-se que existem dois recursos passíveis de interposição contra a decisão da presidência ou vice-presidência do tribunal recorrido, quais sejam:
 

(a) Agravo em recurso extraordinário ou especial (art. 1.042 do CPC), para insurgir-se contra a decisão que não admite o recurso extraordinário ou especial interposto (por considerar que lhe faltam requisitos, conforme art. 1.030, V, do CPC); e
 

(b) Agravo interno (art. 1.021 do CPC) para insurgir-se contra decisão:
 

(b.1) que nega seguimento ao recurso extraordinário ou especial em razão de incompatibilidade vertical, na forma das alíneas a e b do inciso I do art. 1.030 do CPC[4]; ou
 

(b.2) que sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional (art. 1.030, III, do CPC).
 

Conclui-se, em resumo, que o legislador fez uma opção nítida, prevendo dois recursos distintos, passíveis de interposição contra decisão proferida no âmbito da admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, cujo cabimento dependerá do conteúdo da decisão advinda da presidência ou vice-presidência do tribunal recorrido: para a inadmissão decorrente do não preenchimento de requisitos processuais e constitucionais de admissibilidade, o agravo previsto no artigo 1.042; quando a inadmissão ou sobrestamento se refere ao mérito do recurso excepcional, em virtude de aplicação da sistemática dos recursos repetitivos, cabe o agravo interno (art. 1.021, do CPC/2015).
 

Eis que chegamos ao ponto fulcral: e se a decisão que obstar o processamento dos recursos extraordinário ou especial contiver simultaneamente fundamento de falta de pressupostos de admissibilidade (art. 1.030, V, do CPC) e na incompatibilidade vertical (art. 1.030, I, a e b, do CPC): caberão simultaneamente o agravo em recurso extraordinário ou especial (§ 1º do art. 1.030 do CPC) e o agravo interno (§ 2º do art. 1.030 do CPC)?
 

Não temos razões para dar outra resposta que não seja a positiva.
 

Sobretudo porque o sistema processual, com o CPC/2015, estruturou-se de modo a que o processo, na fase dos recursos excepcionais, seguisse um único curso: da admissão ou inadmissão para os Tribunais Superiores, de um lado, ou a aplicação da sistemática dos recursos repetitivos de outro.
 

Caberão simultaneamente, portanto, agravo em recurso extraordinário ou especial (art. 1.042 do CPC) e o agravo interno (art. 1.021 do CPC). Temos, portanto, uma nova exceção ao princípio da unirrecorribilidade.
 

Esta conclusão, aliás, é corroborada pelo enunciado 77 da I Jornada de Direito Processual Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:
 

Enunciado 77. “Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais.”
 

Pelo que entendemos, ademais, a interposição simultânea de ambos não é obrigatória (embora, naturalmente, seja recomendável). Nada impede que a parte, diante de decisão denegatória com duplo fundamento, interponha apenas um dos recursos disponíveis, mesmo porque o parágrafo único do art. 1.034 é claro no sentido de que
 

“Admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial por um fundamento, devolve-se ao tribunal superior o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capítulo impugnado.”
 

Esta orientação, aliás, sempre se extraiu das Súmulas 292 e 528 do STF, aplicáveis por analogia também ao recurso especial (STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp 1.472.853-SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04/8/2015, v.u.).
 

Em síntese, o princípio da unirrecorribilidade decorre de uma interpretação sistemática da lei processual e admite as exceções que ela própria cria por razões de política legislativa. E este é justamente o caso do cabimento simultâneo de agravo em recurso extraordinário ou especial e agravo interno ante a decisão proveniente da presidência ou vice-presidência do tribunal recorrido baseada, ao mesmo tempo, na falta de pressupostos de admissibilidade (art. 1.030, V, do CPC) e na incompatibilidade vertical (art. 1.030, I, a e b, do CPC).
 


 

Notas e Referências:
 

[1] Utilizamos, em grande parte deste artigo, as ideias que desenvolvemos com maior profundidade em nossa obra sobre recursos cíveis. Consultar: DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos recursos cíveis – teoria e prática. 2ª ed., Salvador: Juspodium, 2017.
 

[2] Art. 1.010, § 3º, do CPC. “Após as formalidades previstas nos §§ 1o e 2o, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.” (sem grifos no original)
 

[3] Eis a redação do dispositivo revogado (art. 1.030, parágrafo único): “A remessa de que trata o caput dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade”. (sem grifos no original)
 

[4] Art. 1.030 (…) “I – negar seguimento: a)  a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; b)  a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;”
 

Fonte: Site Empório do Direito