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"É possível reduzir a fila em poucos meses", diz ex-presidente do INSS

Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social(INSS) e ex-secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo Rolim, propõe soluções para a redução da fila do INSS e para o rombo da Previdência. Entre as possibilidades, segundo ele, estão ações no Legislativo federal que poderão modificar a rotina de trabalho dos peritos do órgão, dando celeridade ao processo de concessão de benefícios.

 

Rolim também defende sistemas previdenciários próprios como forma de manter os recursos dos trabalhadores rendendo enquanto eles seguem contribuindo em dia com a Previdência, garantindo, assim, que o montante signifique recursos para estados e municípios. Além disso, na opinião dele, devem ser criados fundos de participação e que haja estímulo à previdência privada.

 

Na opinião do senhor, quais medidas poderiam reduzir a fila do INSS?

 

De um lado, a gente tem duas medidas provisórias. A MP nº 1113 — que dispõe sobre a análise de benefícios pelos INSS —, mais diretamente ligada à questão previdenciária, que trata de uma série de questões, principalmente, com o objetivo de redução das filas da Previdência. E a MP nº 1106 — que amplia a margem de crédito consignado aos aposentados e pensionistas —, que aborda a questão dos empréstimos consignados. Por outro lado, você tem uma série de projetos tramitando no Congresso que podem ter impactos negativos. Em ano eleitoral, sempre tem esse viés.

 

Mas como seria a redução?

 

A medida provisória ataca vários pontos. Basicamente, existem quatro pontos importantes. Um deles é a perícia extraordinária. Com a redução de muitos peritos médicos por aposentadoria, nos últimos anos, e sem concurso há algum tempo, houve também o período da pandemia, com agências fechadas, talvez por até seis meses. Mesmo depois que as agências foram reabertas, parte dos peritos estava em trabalho remoto, porque eles pertenciam ao grupo de risco, e algumas agências não estavam em condições de reabrir porque elas não cumpriam o protocolo. Então, nesse período, aumentou a fila de beneficiários que dependem de perícia médica para a concessão dos chamados benefícios de risco.

 

Qual seria a solução?

 

A perícia extraordinária é o que vai permitir que se faça mais perícias do que o normal. E vai ser o instrumento mais poderoso para reduzir a fila. Nesse cenário, o perito passa a fazer mais perícias do que normalmente faz. Atualmente, o perito cumpre 15 pontos, mais ou menos 15 perícias, que valem um pouco a mais porque algumas perícias contam 1,5 ponto. Com a perícia extraordinária, ele passa a contar a perícia adicional: vai ganhar um valor adicional e poderá fazer até o dobro no número de perícias. Poderá, também, fazer plantões. Isso deverá reduzir a fila das análises que dependem de perícia.

 

E como funcionaria na prática?

 

O perito poderia trabalhar até o dobro, ou seja, o dia inteiro, uma vez que ele trabalha meio turno. Pode também fazer plantão. Então, com isso, deve reduzir bem a fila dos benefícios que dependem de perícia. Isso envolve o auxílio-doença, incapacidade temporária, aposentadoria por invalidez — que é o Benefício por Prestação Continuada (BPC), da pessoa com deficiência. Aliás, essa é a fila que está maior, a do BPC. A perícia é realmente fundamental aos chamados benefícios de risco. A fila cresceu muito no período da pandemia pelos acontecimentos que citei, a pandemia e a aposentadoria dos peritos. Antes da covid-19, o prazo médio de uma perícia estava em 19 dias. Em meados de abril último, estava em 65 dias. Com essa medida da perícia extraordinária, eu diria que, em poucos meses, se reduziria significativamente a fila.

 

Qual é o segundo ponto para reduzir as filas?

 

Há a chamada tarefa extraordinária, que é para os servidores do INSS que analisam requerimentos. É a mesma lógica de aumentar o tempo de trabalho. Excedendo a pontuação, o perito passa a ganhar um valor adicional, cerca de R$ 57, por cada procedimento. Essa outra fila não cresceu em função da pandemia. Aí, sim, foi basicamente aposentadoria de servidores. Em 2019, teve um boom de aposentadorias de servidores do INSS, o que era esperado porque teve uma lei de 2015, quando houve uma greve do INSS, que estabeleceu que os servidores levariam 100% da gratificação a partir de 1º de janeiro 2019. Eu achei uma tremenda irresponsabilidade jogar justamente para o início do governo seguinte, porque essa gratificação representa em torno de dois terços do salário dos servidores do INSS. Até o final de 2018, se ele se aposentasse, levava para aposentadoria só metade da gratificação. Ninguém se aposentava. Então, a partir de janeiro de 2019, como os servidores passaram a levar gratificação integral, muitos servidores que já tinham requisito para se aposentar, passaram a se aposentar. O INSS perdeu algo em torno de um terço ou mais dos servidores de 2019 para cá. Então, apesar de o INSS ter feito uma série de medidas de automatização de processos e transferir servidores que estavam em área-meio para análise, apesar da série de ações que o INSS fez, não tem como fazer mágica. O número mínimo de servidores reduziu muito e, assim, a tarefa extraordinária vai conseguir compensar a perda de setores enquanto não sai um novo concurso poderoso.

 

E o terceiro ponto?

 

Tem uma terceira medida que reduziria o conselho de recursos. Metade dos requerimentos de recursos são relativos a perícias, que acabavam passando por recursos da junta de recursos desnecessariamente, porque é apenas uma análise de recursos. A MP eliminava essa etapa. Também permitia a análise de recursos.

 

Pode falar sobre a última medida?

 

Ela trata da perícia remota relativa à auditoria. Não faz sentido deslocar um perito a um hospital para perícia hospitalar. Aí, se analisará aqueles documentos que têm risco de fraude. Nesses casos, a auditoria pericial vai reduzir a fila. Em outros casos, é uma perícia remota. Mas precisará ser em um ambiente específico, em um ambiente com recursos específicos. Será possível atender até mesmo municípios que não tem INSS. Isso está funcionando e tem tido bons resultados. Acho que é uma medida provisória poderosa.

 

E sobre os regimes próprios de previdência?

 

Somando os três níveis, o rombo da Previdência fica próximo ao da Dívida Pública da União. É algo em torno de R$ 5,3 trilhões, equivalente a 60% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Aposentadorias que a Constituição estabelece: os regimes de previdências dos servidores públicos devem ser equilibrados financeiramente, ou seja, não devemos utilizar tributos para pagar a previdência dos servidores. Não devemos atualizar pensão de servidores com impostos/tributos, conforme a Constituição. Na prática, uma parcela grande das nossas aposentadorias é paga com impostos.

 

E o déficit atuarial?

 

A União contribui com 22% para a Previdência. Cada estado e cada município tem o sistema da sua previdência. Há uma contribuição patronal e tem uma contribuição dos servidores. Era para essas duas contribuições serem suficientes para pagar todas as aposentadorias e pensões. Porém, na maioria dos entes, isso não acontece. Temos alguns municípios que são equilibrados e bem arrumadinhos, mas, infelizmente, isso é exceção. A maioria dos entes tem uma contribuição patronal mais a contribuição do servidor, e, em muitos, casos não dá para pagar nem metade dessas aposentadorias. A dívida atuarial soma os três níveis: dos municípios está em torno de R$ 970 bilhões e na União, em R$ 1,2 trilhão. Nos estados, com R$ 3,1 trilhões, é onde está o maior problema.

 

E como está a União?

 

Em termos de gestão, a União é o pior exemplo. Ela precisava criar uma entidade gestora única da União, que deveria funcionar pelo menos desde a emenda constitucional nº 41 (aposentadoria), ou seja, desde 2003. Agora é que está começando. No Poder Executivo, a administração direta está sendo centralizada por um departamento de Gestão de Pessoas, e a indireta, pelo INSS. Está no Congresso a análise para que a União passe a ser a unidade gestora. Agora, está disperso, com cada órgão administrando a sua previdência. Está em processo essa centralização. Nessa área, a União é a que está mais atrasada.

 

E os estados e municípios?

 

Minas Gerais é o estado mais atrasado fora da União. Tem muitos estados que já centralizaram numa só gestão, e a maior parte dos municípios é centralizada. Um dos poucos municípios que ainda não estão totalmente centralizados é São Paulo, mas eles aprovaram emenda à lei orgânica, centralizando, e, agora, ao longo deste ano, devem terminar o processo. Com isso, eu acho que não vai ter praticamente nenhum município sem unidade gestora. Um outro ponto, que acho até mais importante, é em relação ao equilíbrio financeiro atuarial. A União saiu na frente com a reforma previdenciária, tanto quanto à contribuição, quanto às regras de cálculo de acesso aos benefícios. O deficit financeiro caiu bem, nos três primeiros anos após a reforma da Previdência.

 

Pode comentar essa queda?

 

A redução, somando regime próprio da União e regime geral dos três primeiros anos, está na casa de mais de R$ 150 bilhões. Somente neste ano, somando os dois, dá R$ 81 bilhões, que é quase o valor do Auxílio Brasil, só com a economia da reforma previdenciária. Só que o Congresso não excluiu estados e municípios, mantendo a obrigação do equilíbrio financeiro atuarial e a contribuição do servidor com o mínimo da União, e proibiu a incorporação. Poucas coisas foram aplicadas a Estado e União, e os estados e municípios fizeram a reforma.

 

O que acha das reformas feitas pelos últimos governos?

 

A primeira reforma previdenciária foi feita no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com a emenda constitucional nº 20, de 1998. Depois, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu. Logo no primeiro ano dele, ele fez uma reforma ampla que foi a emenda nº 41 (em vigência a partir de 2003). Infelizmente, ela foi um pouco desidratada com a emenda 47, de 2005, mas mesmo assim ainda foi emenda forte. Depois, Jair Bolsonaro (PL), também, logo no seu primeiro ano de governo, fez uma reforma ainda mais forte do que a reforma do Lula, fazendo a gente olhar para o mundo inteiro. O mundo inteiro tem feito (reformas na Previdência).

 

Por quê?

 

Porque as pessoas estão vivendo mais. Isso é maravilhoso. E e eu espero que a expectativa de vida continue crescendo, as pessoas estão vivendo com mais qualidade de vida. Uma pessoa com 60 anos, hoje, tem uma qualidade de vida muito superior do que tinha uma pessoa de 60 anos 50 anos atrás, não dá para comparar. Você não pode ter a mesma regra previdenciária que você tinha antes. Então, é quando a gente olha, inclusive, para os estados. Alguns estados, mesmo governados pelo PT, fizeram reformas interessantes. O Piauí fez uma reforma, foi um dos estados que têm reforma onde foi feita uma das reformas mais profundas. De toda forma, eu não vejo cenário de retrocesso na reforma previdenciária, caso haja.

 

E para os próximos anos?

 

Vai precisar aprofundar reforma já no ano que vem? Eu entendo que não. A reforma que nós aprovamos em 2019 tem uma boa densidade. Eu acredito que a gente só vai precisar fazer uma nova reforma na próxima década.

 

O senhor incentiva a previdência privada?

 

Eu mesmo não me acostumei muito (com a previdência privada). É um problema cultural no Brasil, não me preocupei muito com isso na minha vida. Essa coisa da educação financeira e previdenciária é uma emergência. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas têm essa cultura. A melhor ideia é adotar uma previdência privada ao começar a trabalhar. O que falta às pessoas é realmente ter essa cultura.

 

Fonte: Correio Braziliense