IEPREV - Deputados e especialistas sugerem medidas para combater agravamento da fome no Brasil  

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Deputados e especialistas sugerem medidas para combater agravamento da fome no Brasil  

São 19 milhões de brasileiros em situação de fome no Brasil, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Em 2018, eram 10,3 milhões nessa situação, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números foram citados por diversos participantes da comissão geral que discutiu nesta terça-feira (5), no Plenário da Câmara dos Deputados, o agravamento da fome no País.

 

Adicionalmente, especialistas e parlamentares destacaram que 59,3% dos brasileiros – 125,6 milhões – não comeram em quantidade e qualidade ideais desde a chegada do novo coronavírus. Os dados constam da pesquisa “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, realizada por grupo da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília.

 

Em discurso lido no Plenário pelo deputado Roberto de Lucena (Pode-SP), o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), ressaltou que a fome voltou aos mesmos índices observados em 2004 pelo IBGE. Ele frisou que o problema não está associada à falta de alimentos, já que o agronegócio e a agricultura familiar continuam produzindo bem, mas, sim, ao contexto social do País, com a queda no emprego e na renda, e ao aumento da inflação, especialmente de alimentos, gás de cozinha, combustíveis e energia. Lira destacou que o Cadastro Único do governo registrou em junho 14,7 milhões de famílias em situação de extrema pobreza, frente a 12,7 milhões em 2018.


 

Conforme o presidente, o Parlamento contribuiu para a manutenção da renda dos mais pobres e vulneráveis ao propor e aprovar o auxílio emergencial (Lei 13.982/20). Agora, segundo ele, "sem esquecer a responsabilidade fiscal", a Câmara deve continuar a buscar consensos para enfrentar o problema da fome. Ele citou que está em análise na Casa a Medida Provisória 1061/21, que reformula diversos programas sociais, em especial substituindo o Bolsa Família pelo Programa Auxílio Brasil. E lembrou que os deputados aprovaram recentemente o PL 1374/21, de iniciativa parlamentar, que cria o Auxílio Gás Social para famílias de baixa renda.

 

Ações além das emergenciais

Para Roberto de Lucena, que pediu o debate, as ações emergenciais de assistência socioeconômica, como o auxílio emergencial e o programa Bolsa Família, são extremamente necessárias, porém insuficientes. "Precisamos associar a elas iniciativas que asseguram a sobrevivência dessas famílias de maneira digna e autônoma", afirmou. "Nesse sentido, programas de geração de trabalho e renda, de qualificação profissional, de estímulo à agricultura familiar, de incentivo aos microempreendimentos, entre outros, continuam na ordem do dia, e estão a exigir de todos nós atitudes urgentes, corajosas e inovadoras", continuou.

 

Entre as respostas do Congresso para o enfrentamento do problema, Lucena citou a aprovação da Lei 14.016/20, que incentiva empresas, restaurantes e supermercados a doarem alimentos e refeições excedentes para pessoas em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar. Além disso, lembrou que está em análise na Casa o Projeto de Lei 211/19, de sua autoria, que incentiva o empresariado a doar alimentos com prazo de validade próximo.

 

O líder do Podemos, Igor Timo (Pode-MG), também acredita que a solução para o problema pode passar pela Câmara. "Temos de ver urgentemente a redução de impostos e do Risco Brasil, para a manutenção de empresas e abertura de novos mercados", declarou. "Precisamos voltar, mesmo que temporariamente, com os estoques estratégicos de alimentos, fomentar a economia familiar, a agricultura familiar, o programa de aquisição de alimentos, controlar a inflação de alimentos, buscar o retorno emergencial do programa de renda básica, dos restaurantes populares, das cozinhas comunitárias", enumerou.

 

Desmonte de políticas

Muitos convidados ressaltaram que a fome no Brasil não é causada pela pandemia de Covid-19, mas é estrutural e foi apenas agravada pela disseminação da doença.

 

Entre elas, a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello, que lembrou que em 2017 o Brasil já tinha retornado ao mapa da fome. Ela acredita que a volta da fome no País está ligada ao desmonte de políticas públicas.

 

"O vírus alcança o Brasil em um momento no qual as políticas públicas já tinham sido desorganizadas, em grande parte nós tivemos um desmonte dos programas de cisternas e de aquisição de alimentos", comentou. "Assim como parou-se de valorizar o salário mínimo e houve a destruição da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), com impacto generalizado na renda dos brasileiros, o desmonte do Sistema Único de Assistência Social (Suas)", citou.

 

Para lidar com o problema, Campello defendeu o Bolsa Família como "um programa eficiente de transferência de renda" e criticou a MP que cria o Programa Auxílio Brasil, alegando que a proposta coloca em risco 20 milhões de beneficiários do Bolsa Família.

 

O líder do PT, deputado Bohn Gass (PT-RS), também disse que a fome é consequência do desmonte de um conjunto de políticas públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Bolsa Família, e criticou o novo programa do governo (Auxílio Brasil). "Não é uma simples substituição de nomes: é menos dinheiro, são menos famílias, são menos pessoas, são menos redes de proteção social. É disso que se trata esse projeto: da destruição do Bolsa Família", opinou.

 

Vice-líder do PSL, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) atribuiu o problema da fome a governos anteriores e à pandemia e ressaltou que a gestão atual concedeu auxílio emergencial para reduzir os danos. "O presidente Jair Bolsonaro assumiu com muitas dificuldades. Em 2019, tivemos avanço estrondoso, o Brasil começava a decolar, quando infelizmente fomos atingidos pela pandemia", afirmou.

 

Inflação de alimentos

Professor da Universidade Estadual de São Paulo, José Giacomo Baccarin defendeu a revitalização do Bolsa Família e disse que, neste momento, o cadastro de famílias não está sendo devidamente atualizado. E acrescentou que o sucesso da exportação de alimentos pelo agronegócio está tornando a alimentação mais cara no Brasil e propôs a intervenção no câmbio.

 

"O preço do arroz subiu 70%; o do feijão, mais de 50%; a batata, quase 50%, subiram também a carne, o leite e o óleo de soja. E a inflação do pobre é muito maior, é a inflação da cesta básica", reiterou o vice-líder do PDT, Pompeo de Mattos (PDT-RS).

 

Economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Juliane Furno chamou a atenção, entre outros pontos, para a paulatina redução da área plantada de arroz e outros gêneros da cesta básica, devido ao avanço da área plantada de milho e soja. Além disso, segundo ela, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a política de segurança alimentar foram desestruturadas, assim como a política de estoques reguladores, que serviam para os amortecer preços internos, em períodos de desvalorização cambial.

 

"Eu colocaria para reflexão políticas de transferência mais robustas e com escopo maior de beneficiários, taxação da exportação de alimentos e criação de um fundo para que esse recurso amorteça o problema da fome, retorno da política de segurança alimentar e dos estoque reguladores, avanço na reforma agrária e fortalecimento do pequeno agricultor, que precifica seus produtos fora da lógica da precificação de bolsas de valores, aprovação de programas mais robustos de crédito e assistência técnica para a agricultura familiar", sugeriu.

 

Representante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto, Rud Rafael pediu avanços na reforma agrária e na reforma urbana e a derrubada do veto do presidente da República ao Projeto de Lei 823/21, que previa ações emergenciais de amparo à agricultura familiar em razão dos efeitos econômicos da pandemia.

 

Ele considera um avanço a derrubada pelo Congresso Nacional do veto ao Projeto de Lei 827/20, que proíbe o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021, mas pediu a expansão do prazo até o fim da pandemia e a superação da crise econômica.

 

Orçamento da assistência social

Já a presidente do Instituto EcoVida, Aldenora González pediu ao Congresso a recomposição do orçamento do Sistema Único de Assistência Social, a garantia de financiamento permanente para o Suas, e a revogação do teto de gastos (Emenda 95).

 

Presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas), Elias de Souza Oliveira reiterou que o Suas é fundamental para contribuir no enfrentamento da fome e da pobreza, criticou os cortes feitos no orçamento do sistema e defendeu a PEC 383/17,que obriga a União a aplicar no mínimo 1% da receita corrente líquida prevista para o ano no Suas.

 

"O orçamento para esse sistema em 2019 era de R$ 2,7 bilhões. Em 2020, houve um corte de 35%. Hoje os municípios convivem com uma redução de recursos do financiamento do Suas da ordem de 60%. 90% dos investimentos do Suas são feitos pelos municípios, com ausência muito grande da União e dos governos estaduais", disse.

 

Desigualdade social

Economista do Departamento Intersindical Sócio Econômico, Patrícia Pelatiere, por sua vez, frisou que, no mesmo período em que houve o crescimento da fome, constatou-se também aumento da concentração da renda (22 brasileiros entraram ou retornaram à lista de bilionários), além do lucro líquido de grandes empresas terem subido.

 

Para Patrícia, os muito ricos têm de contribuir para pagar a conta da solução dos problemas. Ela observou, porém, que a iniciativa privada não dará conta de solucionar sozinha a questão da fome, que demanda a atuação forte do Estado.

 

Fonte: Agência Câmara de Notícias