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Teto de comprometimento de renda regido por lei é 30%, mas não deveria passar de 5%

Qual deve ser o percentual de comprometimento da renda do brasileiro com o endividamento? A lei permite o endividamento de até 30% do salário no caso de empréstimos regulamentados pela legislação, mas o limite é questionado por economistas. Segundo os especialistas, em alguns casos, a margem não deveria ultrapassar 5% da renda mensal para evitar a bola de neve dos juros acumulados.

Especialista em direito bancário, a advogada Lillian Salgado, que também é membro da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), considera que o percentual de 30%, estabelecido como teto, é um risco para o consumidor, já que a lei não faz distinção, fixando o mesmo percentual para vários patamares de renda e perfis de usuário. “Para aqueles que recebem até dois salários mínimos uma dívida longa e alta pode levar a um superendividamento, o que torna a lei inconstitucional”, defende a especialista.

Estudos realizados pela economista Adriana Fileto, com base em dados da Pesquisa de Amostra de Domicílios (POF/IBGE), mostram que entre a população com rendimento de um salário mínimo o percentual da renda bruta consumida com despesas básicas como alimentação, habitação, transportes, vestuários e lazer chega a 94,6% do orçamento. Assim, a margem para endividamento seria de 5,4% do percentual máximo. 

O estudo demonstra que o percentual da renda que deve ser comprometido não é estático. “Varia de acordo com a família e com o tomador”, diz Fileto. O ideal é que antes de tomar o crédito o consumidor tivesse uma avaliação individual de sua condição de pagamento. “O crédito é bom, mas precisa ser responsável. Cada família deve ter o seu próprio planejamento, lembrando que o empréstimo não deve comprometer a poupança para eventualidades, que vai de uma doença a problemas no carro.” 

Controle Vendedor autônomo, Carlos Alberto Bernardes, de 43 anos, sentiu na pele o peso do descontrole. “Cheguei a comprometer 80% do meu salário com dívidas”, revela. Andando pela cidade com sua caixa térmica, Carlos Alberto sai diariamente de Contagem para vender salgados e refrescos em Belo Horizonte. O trabalho diário lhe rende, ao fim do mês, cerca de dois salários mínimos, que as dívidas com crediários passaram a engolir. 

O endividamento se tornou tão grande que ele foi forçado a abandonar o pagamento de um lote pela metade, perdendo parte do valor investido, que ele agora tenta reaver na Justiça. “Meu nome também foi para o SPC”, recorda. Foram três anos de tormenta. Há pouco mais de um ano o vendedor conseguiu colocar a vida em ordem. Segundo ele, ouvir a entrevista de um economista foi essencial. “Ele explicou que o comprometimento deve ser de no máximo de 20% do salário.” Depois de quitar as dívidas com “grande sacrifício”, como descreve, Carlos Alberto passou a guardar 20% de seu rendimento mensal para realizar o seu sonho de consumo. Em outros tempos, ele se aventuraria em um crediário: “Não tinha a menor noção do perigo”, mas agora ele garante que sua realidade mudou. Pretende juntar R$ 12 mil para dar de entrada em um carro popular. “Só vou comprar o carro, que custa R$ 26 mil, quando conseguir juntar parte do dinheiro da entrada.” 

Na folha Segundo dados da Previdência Social, em dezembro de 2012 (últimos números disponíveis), aposentados e pensionistas movimentaram R$ 2,2 bilhões no crédito consignado, com desconto direto na folha de pagamento, sendo que 42% correspondem ao volume de crédito daqueles que recebem um salário mínimo. Outros 33% são movimentados pela fatia com benefícios de até três salários.

Operadora de caixa, Mayara Cristina Freitas, de 20 anos, gasta 40% do seu orçamento com despesas, como o crediário em lojas de eletrodomésticos. Depois de passar aperto para se ver livre de uma dívida no cartão de crédito ela diz que modificou sua postura frente ao crédito. “Calculo muito bem meu orçamento e pago em dia.” Ela conta que uma fatura que era de R$ 200 ficou atrasada e se transformou rapidamente em R$ 400, pesando em seu orçamento, pouco maior que um salário mínimo. 

Débitos engolem 44,5% do salário

O endividamento das famílias é uma conta que vem crescendo no país. Histórias como a do vendedor de salgados Carlos Alberto Bernardes, contada no início da reportagem, não são incomuns. Dados do Banco Central mostram que as famílias brasileiras despendem 44,5% de sua renda anual com o pagamento de dívidas. O percentual é o maior da série histórica iniciada em 2005. 

Educador financeiro e autor do livro Dinheirama, Ricardo Pereira diz que o endividamento deve ser medido para cada família e a chave está no planejamento. Ele considera que o controle do orçamento permite o comprometimento de uma parte do salário com o crédito, até mesmo pela população de baixa renda, sem que haja o descontrole. Segundo ele, o “pulo do gato” é a adequação do patamar de consumo à renda, já descontada a poupança. “Todos podem realizar sonhos. Em um trabalho que fizemos em uma comunidade de São Paulo, acompanhamos uma família, que ao final do ano havia sido capaz de realizar o seu projeto: levar o filho ao parque de diversões.” 

A economista Adriana Fileto diz que o ideal é que as famílias não abrissem mão da poupança e tivessem uma reserva para emergências, como gastos com saúde ou desemprego, correspondente a seis meses de salário. (MC).

 

Fonte: Estado de Minas