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Especialistas discutem benefícios dos segurados do INSS

Um representante do governo, outro dos aposentados e um especialista do mercado de previdência mostram suas avaliações

por Sandra Kiefer – Estado de Minas

A Previdência Social é um tema naturalmente polêmico, porque interessa diretamente a 27 milhões de aposentados em um país de envelhecimento acelerado. No ano eleitoral de 2010, promete ser ainda mais explosivo, com questões em pauta como o reajuste de 6,14% concedido pelo governo aos aposentados que ganham acima do salário mínimo, a tentativa dessa parcela de equiparar o aumento aos 9,67% do salário mínimo e a proposta de substituição do fator previdenciário pela Fórmula 95/85.

Para abrir o primeiro debate do ano sobre o sistema previdenciário brasileiro, o Estado de Minas convidou os peso-pesados das diversas posições que se confrontaram nas rodadas de negociações no ano passado. Em defesa do governo, sai o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). Ele é autor do substitutivo ao Projeto de Lei 3.299, que propõe uma alternativa à regra atual do fator previdenciário. Do outro lado do ringue está Robson Bittencourt, de Minas Gerais, que sustenta o discurso mais radical entre as federações de aposentados do país – ele luta pelo fim do fator previdenciário e pela recuperação das perdas das aposentadorias que, aliás, se recusa a chamar de benefícios. No meio da disputa, está o economista Marcelo Caetano, especialista em previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que apresenta números para embasar os argumentos. O instituto, entretanto, é acusado de pender para o lado do governo, na medida em que está vinculado ao Ministério do Planejamento.

Pepe Vargas
Deputado federal (PT-RS) , autor do substitutivo ao Projeto de Lei 3.299, que prevê a substituição do fator previdenciário pela Fórmula 95/85

Reajuste de 6,14%

É a primeira vez que um governo no poder concede reajuste acima da inflação desde a Constituição de 1988, que determina que seja feita apenas a reposição do poder de compra do benefício. Em outras palavras, a correção pela inflação. Os aposentados argumentam que a categoria sofreu perdas no passado (entre 1988 e 1994) porque não havia um índice inflacionário fixo para correção dos benefícios. Cada governo escolhia o índice que lhe interessava no momento. O governo Lula concorda com esse argumento, tanto que autorizou o reajuste de 6,14%, com 2,5% acima da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que passou a ser o índice oficial das aposentadorias em 2004. Mas não dá para dar mais do que isso. Qual é o país do mundo que dá ganho real para aposentado?

Equiparação ao salário mínimo

O governo não é contra a mobilização dos aposentados e é bom que todas as categorias se mobilizem. O problema é que os aposentados reivindicam a equiparação do reajuste dos benefícios ao do salário mínimo. Ocorre que a mesma Constituição veda que seja concedido o mesmo percentual de 9,67% de aumento do mínimo. O raciocínio é simples. Se o salário mínimo voltar a ser um indexador da economia, ele próprio terá de aumentar pouco. Não haveria como dar continuidade à política de recuperação salarial do mínimo que subiu 63% acima da inflação de janeiro de 2003 até julho de 2009. Esse reajuste já beneficia 17 milhões de aposentados, que representam dois terços do total de aposentados do INSS. Excluiu os 8 milhões que ganham acima do teto.

Fator previdenciário

A Fórmula 95/85 é mais vantajosa para o trabalhador do que o atual fator previdenciário. Basta fazer simulações. Na prática, reduz pela metade o tempo de contribuição adicional exigido do homem que quer se aposentar com o benefício integral e a dois terços o tempo da mulher. Melhora também o cálculo do valor do benefício, que é feito com base na média das 80 maiores contribuições e vai passar a ser sobre 70. Mas tem gente que ainda acha que é trocar seis por meia dúzia. Eu não queria estar na situação das pessoas que estão prestes a se aposentar, porque sinto que estamos no meio de uma disputa sindical. Se colocarmos o substitutivo hoje em votação, ele vai ser rejeitado. Estamos vivendo um impasse. As maiores centrais sindicais concordaram que há um avanço na proposta, mas tem uma parcela do movimento sindical que acha que ainda é insuficiente. Os parlamentares têm receio de votar algo que nem todos concordam. Só posso garantir que qualquer outra proposta (o fim do fator previdenciário) será derrubada pelo governo. O próprio Lula já disse que aceita qualquer proposta para beneficiar o trabalhador desde que não caia a idade média da aposentadoria no Brasil, que já é baixa (53,3 anos). A turma do tudo ou nada tem de se dar conta de que ou negocia a mudança possível, ou vai acabar ficando do jeito que está.

Robson Bittencourt
Presidente da Federação dos Aposentados e Pensionistas de Minas Gerais (Faap-MG)

Reajuste de 6,14%

Na realidade, o reajuste é aquilo que o governo está impondo de cima para baixo. A proposta não é nem do governo, mas das centrais sindicais, que funcionam como um braço do governo. Os aposentados querem 100% do reajuste do salário mínimo (9,67%). Só conseguimos o ganho real de 2,5% porque os aposentados se mobilizaram em 2009. Temos condições de melhorar ainda mais o percentual, porque os parlamentares e o governo estão com muito receio dos aposentados nas eleições de 2010. O aposentado quer discutir o que é dele, de fato e de direito. Ele pagou por um plano de seguro atrelado ao salário mínimo, durante décadas e décadas, na hora de retirar o que pagou, está tendo perdas de 50%, 70% e até 90% no seu benefício. Aliás, sou contra esse nome, porque não estou recebendo qualquer benefício do governo, mas sim a reposição do que paguei a vida inteira.

Equiparação ao salário mínimo

O aposentado quer a volta da paridade das aposentadorias conforme previa a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 201, que foi alterado em 1991 pelo governo Fernando Collor de Mello. Naquele ano, foi dado início a um processo de privatização do sistema de previdência pública no Brasil. O que eles querem é beneficiar banqueiros achatando as aposentadorias e pensões acima do salário mínimo para que os aposentados tenham de recorrer a um plano de previdência complementar. Isso vai beneficiar quem? Mais uma vez, aos mandatários dos governos brasileiros, que são os banqueiros, instituições financeiras, fundos de pensão. Eles querem ir achatando os benefícios até todo mundo estar recebendo pelo salário mínimo. Não vamos aceitar isso. Se nós contribuímos em número de salários mínimos, queremos voltar a receber também em número de salários mínimos.

Fator previdenciário

Somos contra a Fórmula 95/85. Nós queremos eliminar o fator previdenciário. É óbvio que a Previdência Social requer ajustes, mas não seria dessa forma prejudicando o trabalhador. Ao mudar o cálculo do benefício, vai ter de continuar estendendo o período de trabalho para se aposentar com a integralidade. O brasileiro que começou cedo não aguenta continuar trabalhando até os 65 para ganhar um pouco mais. Ele quer receber 100% do que pagou, agora. Se o fator previdenciário cair, milhões de aposentados poderão pleitear a revisão de suas aposentadorias na Justiça. Diante de um tsunâmi de ações judiciais, o Judiciário terá de rever sua posição.

Marcelo Caetano
Especialista em Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Reajuste de 6,14%

O governo deu esse reajuste maior em 2010. No contexto brasileiro, porém, essas políticas em que você aumenta o benefício dos aposentados além da inflação vão ter dificuldade de se sustentar no longo prazo, por dois motivos. Primeiro, em função do envelhecimento acelerado da população brasileira. As pessoas estão vivendo cada vez mais, o que é muito bom. Mas a pressão exercida sobre a Previdência é maior, porque cada vez mais brasileiros estão recebendo benefícios e por mais tempo. Outro aspecto é que as mulheres vêm tendo cada vez menos filhos: isso diminui a base de contribuintes e aumenta o número de beneficiários no futuro. Em um curto prazo, é até possível inserir uma alta no orçamento de 2009 e 2010 em função do movimento dos aposentados, que conseguiu barganhar esse aumento para a categoria. No longo prazo, acaba sacrificando gastos com saúde, educação e infraestrutura.

Equiparação ao salário mínimo

Esse argumento de que houve perdas não corresponde à realidade estatística. A partir do momento em que se tem uma estabilidade monetária no país, há 15, 16 anos, os benefícios vêm sendo reajustados de acordo com a inflação. As perdas ocorreram na época da hiperinflação, mas também afetaram os salários dos trabalhadores da ativa. O que existe de fato é que há 10 anos houve a política de valorização do salário mínimo. Se você promover a vinculação do mínimo aos benefícios como um todo, aí o impacto sobre as contas públicas vai ser realmente muito alto. Outro aspecto importante é que, independentemente disso, a vinculação do benefício ao salário mínimo iria gerar incentivos adicionais para as pessoas se aposentarem o quanto antes do mercado de trabalho.

Fator previdenciário

Se comparar com a proposta original de acabar com o fator previdenciário, a Fórmula 95/85 é mais interessante do ponto de vista econômico. Para quem está prestes a aposentar, ela dá a opção de prorrogar um pouco a aposentadoria ganhando o valor integral. Se quiser se aposentar antes, a aplicação do fator previdenciário é compulsória. A nova fórmula, porém, pode provocar o efeito nulo de as pessoas ficarem impacientes para já tentar se aposentar o quanto antes, mesmo sabendo que esperando dois, três anos, poderão ganhar muito mais. Mas as pessoas podem adotar comportamento oposto. Nesse caso, teremos uma redução nas despesas com o pagamento dos benefícios no período inicial, mas lá para frente isso pode gerar uma explosão de gastos previdenciários. No entanto, a Fórmula 95/85 pode não ter efeito nenhum caso as pessoas queiram se aposentar logo, ganhando menos. Isso é uma resposta que ninguém tem, porque vai depender da necessidade de cada um. Particularmente o que a gente observa é um comportamento mais para o impaciente no Brasil.

Fonte: Portal Uai