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NOTA TÉCNICA AO TEMA 1107 (STF)   AUSÊNCIA DE REPERCURSSÃO GERAL

CÔMPUTO COMO TEMPO DE ATIVIDADE ESPECIAL DO PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA NÃO ACIDENTÁRIO – AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL

 

O IEPREV – Instituto de Estudos e Pesquisas em Direito Previdenciário, em cumprimento às suas finalidades de discussão e difusão científica a respeito desse direito fundamental social, vem a público emitir algumas considerações técnicas a respeito do julgamento do Tema 1107 do STF.

 

O Supremo Tribunal Federal concluiu, no dia 29/10/2020 (Plenário Virtual), o julgamento do Tema 1107 (RE 1.279.819), onde se discutiu a seguinte tese:

 

Possibilidade de o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária, utilizar o cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.

 

Por unanimidade de votos o STF reconheceu a ausência de repercussão geral da matéria, tratando-se de questão infraconstitucional.

Embora bastante óbvia, é importante essa decisão do STF, pois dá o correto enquadramento ao tema, visto que não se trata de matéria de envergadura constitucional.

O delineamento da conversão do tempo de atividade especial em tempo de atividade comum encontra-se nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91, complementados pelas disposições do Decreto 3.048/99.

Nestes termos, eventual violação à Constituição Federal seria unicamente reflexa ou indireta, o que impede o exercício do controle de constitucionalidade, nos termos consagrados na Súmula 636 do STF e remansosa jurisprudência do Excelso Pretório.

 

Uma vez ausente a repercussão geral da matéria, deve-se examinar quais as consequências processuais decorrentes dessa decisão.

O ponto mais objetivo e importante diz respeito à impossibilidade de cabimento de recursos extraordinários a respeito desse tema.

Esse entendimento decorre do art. 102, § 3º, da Constituição Federal, inserido no Texto Constitucional pela Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário).

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§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

 

O CPC/2015 também disciplina a questão:

 

Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.

 

Nestes casos, a consequência processual de eventuais recursos extraordinários interpostos (pelo INSS ou pelos segurados) será a negativa de seguimento, nos termos do art. 1.030, I, a, do CPC/2015:

 

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

I – negar seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;

 

Assim, à medida em que não caiba recurso extraordinário nessa matéria, o entendimento que prevalecerá será aquele já fixado pelo STJ no Tema 998:

 

O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.

 

A comemoração em relação à tese fixada no Tema 1107 do STF enseja, ao mesmo tempo, preocupação com relação a outras relevantes e novas circunstâncias normativas, que provavelmente devolverão esse tema à esfera judiciária.

 

Em primeiro lugar menciono o conteúdo do art. 25, § 2º, da Emenda Constitucional 103/2019:

 

Art. 25. (...)

§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.

 

Tendo em vista que doravante é proibida a conversão de tempo especial em tempo comum, é possível que a tese fixada no Tema 998 do STJ e agora ressaltada no Tema 1107 do STF venha sofrer modulação temporal de efeitos (ou mesmo distinguishing).

 

Em segundo lugar, destaco as modificações levadas a cabo no Decreto 3.048/99 pelo Decreto 10.410/2020, alterando a redação do art. 65, parágrafo único desse diploma:

 

Art. 65.  Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive ao período de férias, e aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68.

 

A redação anterior do art. 65, p. único, do Decreto 3.048/99, antes da alteração promovida pelo Decreto 10.410/2020, albergava a contagem do tempo de atividade especial também no tocante ao período de fruição do auxílio-doença:

 

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68. (grifamos)

 

Essa alteração no Decreto 3.048/99 provavelmente deve ser considerada ilegal a partir da tese firmada pelo STJ no Tema 998, mas é provável que redunde em nova perspectiva de judicialização, visto que o INSS, no âmbito administrativo, deverá seguir esse novo formato, mais restritivo.

 

Por fim, é importante registrar que tanto o 25, § 2º, da Emenda Constitucional 103/2019, como as alterações trazidas pelo Decreto 10.410/2020 ao Decreto 3.048/99, constituem inegável efeito backlash, quer dizer, a tentativa de obstar – pela via legiferante – interpretações jurídicas promovidas pela esfera judiciária.

 

[1] TRICHES, A.S. KIDRICKI, T.B. Reafirmação da DER. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2018. Obra citada como referência doutrinária em voto no julgamento do tema 995 pelo STJ.

[2] Referências ao Tema Repetitivo 995 do Superior Tribunal de Justiça, processos REsp 1727063/SP, REsp 1727064/SP e REsp 1727069/SP.

 

Belo Horizonte, 3 de novembro de 2020
 

 

MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR
Diretor Científico

ROBERTO DE CARVALHO SANTOS
Presidente do IEPREV

 

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