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Competência da Justiça do Trabalho em matéria previdenciária

Newton de Paula Lanna Júnior – Especialista em Direito Previdenciário


 

I – Introdução

 

Não há benefícios sem a correspondente fonte de custeio.

 

É sob este enfoque que o presente artigo pretende abordar a questão da competência da Justiça do Trabalho em matéria previdenciária, discutindo as alterações advindas  da promulgação da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, e as dúvidas acerca de sua constitucionalidade, bem como o posicionamento da Autarquia Previdenciária – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) - frente às contribuições  arrecadadas pela Justiça do Trabalho.  

 

II – Previdência Social

 

A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, seja por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família, reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

 

Consoante se depreende do caput do artigo 201 da CF/88, entre seus princípios destaca-se o da contributividade, segundo o qual, somente aqueles que contribuírem para o sistema terão acesso aos benefícios previdenciários,  in verbis:

“A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial...”

 

Diante do famigerado “rombo da Previdência Social”, o qual assola grande parte da população brasileira, é forçoso concluir que o aumento das contribuições sociais tornou-se objetivo primeiro dos Poderes Executivo e Legislativo. Neste sentido, no dia 16 de março de 2007 foi publicada a Lei nº 11.457, que a par de criar a Receita  Federal do Brasil, também conhecida como “Super-Receita”, instituiu diversas modificações legislativas com o eminente escopo de incrementar, significativamente, a arrecadação das contribuições sociais.( O §1º, do art. 2º, da Lei 11.457/2007 dispõe: “O produto da arrecadação das contribuições especificadas no caput deste artigo e acréscimos legais incidentes serão destinados, em caráter exclusivo, ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social e creditados diretamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.)

 

Entre as modificações mais importantes e controversas, salienta-se a prevista no artigo 42, que altera a redação do artigo 876, parágrafo único, da CLT, aperfeiçoando a legislação processual trabalhista no que tange à execução das contribuições sociais, prevista originariamente no §3º do artigo 114 da CF/88, acrescentado pela EC nº 20/1998 e, atualmente, no inciso VIII do mesmo artigo 114, acrescentado pela EC nº 45/2004.( Registre-se que a EC nº 45/2004 não modificou a redação do dispositivo em comento, apenas alterou sua disposição no artigo: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: ... VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir);  

     

O novel parágrafo único do art 876 da CLT passou a apresentar a seguinte redação:

“Serão executadas ex officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.” (destaquei)

 

Esta alteração reputada por parte da doutrina como inconstitucional, reacende a discussão a respeito da competência da Justiça do Trabalho em matéria previdenciária.

 

III – Competência da Justiça do Trabalho

 

A Justiça Federal detém a competência para as causas previdenciárias envolvendo o Regime Geral e os regimes previdenciários pertencentes à União, não propriamente em razão da matéria, mas sim em razão da pessoa, haja vista que nessas causas o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou a União figura como uma das partes ou interessados, atraindo a observância do artigo 109, I, da CF/88, que diz competir aos Juízes Federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.

 

Há de se observar, contudo, que a Justiça do Trabalho sempre teve uma parcela de competência em matéria previdenciária, pois suas decisões, quando do reconhecimento do vínculo de emprego, sempre foram aptas a gerarem efeitos em face da Previdência Social. Após a EC nº 20/1998, a Justiça do Trabalho também passou a ter competência para executar de ofício as contribuições previdenciárias decorrentes de suas sentenças ou dos acordos homologados. Surgem, a partir de então, polêmicas: Seria a Justiça do Trabalho competente para executar as contribuições previdenciárias oriundas do vínculo de emprego reconhecido em juízo? Seria, ainda, a sentença trabalhista eficaz para determinar à autarquia previdenciária a averbação do tempo de serviço reconhecido?

 

Há autores, como Marco Aurélio Lustosa Caminha (2007, p.428-435) e Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2007, p.12-24), que entendem pela negativa das respostas, aduzindo que a Justiça do Trabalho é competente para executar tão somente as contribuições incidentes sobre as verbas salariais deferidas ao empregado na sentença ou no acordo, sendo-lhe vedada a execução de contribuições em relação a parcelas que, embora referentes ao restante do período do vínculo reconhecido em juízo, não tenham sido inseridas na condenação ou acordo. Assim, qualquer interpretação em sentido contrário seria inconstitucional por ferir a literalidade do atual inciso VIII do artigo 114 da CF/88, razão pela qual também seria inconstitucional a nova redação do parágrafo único do artigo 876 da CLT, introduzida pela Lei nº 11.457/2007.

 

Dispõe o inciso VIII do artigo 114 da CF/88 que compete à Justiça do Trabalho “a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.”

 

Interpretando-se literalmente a expressão “decorrentes das sentenças que proferir”, conclui-se que somente as contribuições que tenham origem na sentença trabalhista é que podem ser executadas neste ramo do Poder Judiciário, ou seja, somente as contribuições incidentes sobre as parcelas de natureza remuneratória, objeto de condenação na decisão é que são decorrentes da sentença. Quanto às contribuições que incidem sobre as remunerações auferidas no curso do contrato de trabalho, jamais têm origem na sentença, ainda que esta reconheça a relação de emprego. Ressalta-se, ainda, que o que define a hipótese de incidência da contribuição previdenciária é o efetivo recebimento, pelo empregado, de valores que lhe são devidos por seu empregador, nos termos do artigo 195(“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

 

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.)” da CF/88, não o provimento jurisdicional declarativo do vínculo de emprego.

 

Assim sendo, a sentença que apenas reconhece a existência da relação de emprego tem conteúdo meramente declaratório, o que de maneira nenhuma altera a origem e o fato gerador das contribuições decorrentes das remunerações pagas, devidas ou creditadas durante o vínculo de emprego, remunerações estas que não foram objeto de condenação na sentença. Além disso, não se observa a constituição de qualquer relação jurídica, a qual, já existindo antes do provimento jurisdicional, apenas é por este reconhecido, não havendo que se falar, portando, em decisão constitutiva. Logo, a sentença meramente declaratória não formaria um título executivo, não sendo passível de ser executada.     

 

Adotando este mesmo entendimento de incompetência, ainda que por decisão política e não jurídica, o Tribunal Superior do Trabalho - TST reeditou a Súmula nº 368, a qual passou a adotar a seguinte redação:

“Descontos previdenciários e fiscais. Competência. Responsabilidade pelo pagamento. Forma de cálculo. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 32, 141 e 228 da SDI-I)

I – A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário-de-contribuição. (ex-OJ 141, inserida em 27.11.98)”

 

Na redação anterior da Súmula nº 368, o TST admitia a execução de todas as contribuições referentes ao vínculo reconhecido, mas mudou seu entendimento diante da constatação de que as contribuições dos trabalhadores arrecadadas pelo INSS em decorrência das sentenças trabalhistas não estavam sendo arrecadadas em benefício do segurado, posto que o próprio Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, no §6º do artigo 276, determina que o recolhimento das contribuições do empregado reclamante deverá ser feito na mesma inscrição em que são recolhidas as contribuições devidas pela empresa, ou seja, o reclamante não terá como usufruir dos direitos previdenciários decorrentes da contribuição que lhe tiver sido subtraída às verbas salariais logradas na sentença e recolhida ao INSS. Neste sentido foram os motivos exarados pelo Ministro Vantuil Abdalla, Presidente do C. TST, no voto que ensejou a mudança da mencionada Súmula:

 

“...Os valores correspondentes ao reconhecimento do vínculo têm sido recolhidos a um fundo específico do INSS e não diretamente à conta do trabalhador na Previdência. O INSS, contudo, não admite a decisão judicial como prova de tempo de serviço do trabalhador, que termina coma a aposentadoria postergada.

(...)

Trata-se de uma injustiça com o trabalhador e um despropósito a Justiça do Trabalho garantir a arrecadação do tributo sobre o dinheiro do trabalhador, que não tem a contagem de tempo reconhecida para a aposentadoria e fica sem os próprios valores recolhidos.”(www.tst.gov.br)

 

Quanto à questão da eficácia da sentença trabalhista perante à autarquia previdenciária para fins de averbação do tempo de serviço reconhecido em juízo, haveria um óbice legal. Os institutos da confissão e da prova meramente testemunhal são corriqueiros na Justiça do Trabalho, contudo, a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social, é expressa em determinar que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não admitindo a prova exclusivamente testemunhal(Lei nº 8.213, Art. 55, §3º: “A comprovação do tempo de serviço para efeitos desta Lei, inclusive mediante justifcação administrativa ou judicial, conforme disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento). Assim, caso fosse admitida a sentença trabalhista, a Previdência Social estaria vulnerável à um mecanismo de burla do sistema, em que o segurado buscaria na Justiça do Trabalho a averbação do tempo de serviço, haja vista a facilidade de produção de provas.

 

Há porém, doutrinadores que adotam posicionamento diametralmente oposto, concluindo pela competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias decorrentes de suas sentenças, até mesmo aquelas de conteúdo meramente declaratório, onde apenas se reconhece o vínculo de emprego. O jurista Sérgio Pinto Martins assim leciona:

 

“A Constituição não dispõe que a execução da contribuição previdenciária será apenas em decorrência das sentenças condenatórias que proferir, mas em decorrência das 'sentenças que proferir'. A sentença de natureza declaratória é uma das sentenças proferidas no dissídio individual. Assim, se a Justiça do Trabalho proferir uma sentença meramente declaratória, em que se reconhece apenas o vínculo de emprego entre as partes, sem a condenação do empregador em pagamento de verbas ao empregado, serão devidas contribuições previdenciárias. Nesse caso, elas são devidas pelo fato de que o vínculo de emprego foi reconhecido e deveria a empresa ter recolhido as contribuições previdenciárias de todo o período trabalhado pelo empregado. Logo elas serão executadas na Justiça do Trabalho, pois decorrem da sentença proferida por essa Justiça Especializada.” (MARTINS, 2004,  p.34).

 

Neste sentido, tem-se por constitucional a alteração do parágrafo único do artigo 876 da CLT, trazida pela Lei nº 11.457/2007, posicionamento ao qual nos filiamos.

 

Ora, de fato, o dispositivo constitucional que atribui a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias não faz qualquer distinção entre o tipo de sentença proferida. Neste diapasão, o legislador ordinário, ao estender a competência executória da Justiça do Trabalho às contribuições sociais devidas sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido amoldou-se à Constituição Federal, posto que o período contratual está embutido na sentença proferida. A circunstância do fato gerador da obrigação tributária ter ocorrido em momento pretérito em nada modifica a questão competencial.

 

O fato de a União não ter participado do processo de conhecimento e, ainda assim, ter sido introduzida na ação de execução não constitui afronta ao princípio do devido processo legal, haja vista que a sentença não lhe espraia qualquer efeito, pela singela razão de não ter sido parte na relação processual. Observa-se que dessa relação processual apenas emerge direito que tem a União como titular ativa. Proferida a sentença ou homologado o acordo, surge um título executivo administrativo, pois o juiz, ao verificar o fato gerador de contribuição social (reconhecimento da relação de emprego em que foram pagas verbas de natureza salarial ao reclamante), lança o tributo, travestido de agente da fiscalização.

 

Há de se argumentar ainda, a favor da competência ampliada da Justiça do Trabalho, que o interesse público e o bom senso aconselham que aquele que bate às portas do  Poder Judiciário, via Justiça do Trabalho, tenha resolvido todas as questões decorrentes de sua irresignação, pois o pagamento das contribuições sociais e a conseqüente averbação do tempo de serviço para fins previdenciários são de fundamental importância para quem vê reconhecida a existência de contrato individual de trabalho, sendo um contra-senso obrigá-lo a reiniciar marcha processual em outro ramo do Poder. Ademais, o reconhecimento de tempo de serviço e/ou de contribuição é de competência da Justiça do Trabalho por ser questão imbricada com o direito social à seguridade social (artigo 6º da CF/88), o qual, por sua vez, é pré-requisito para o direito do trabalhador a benefícios previdenciários como o seguro-desemprego e a aposentadoria (artigo 7º, II e XXIV da CF/88).

 

O suposto óbice legal de inaceitabilidade da prova testemunhal não deve ser, na prática, uma barreira intransponível, pois a produção de provas não se vincula à questões de competência, mas sim à questões de posicionamento do juiz. Ora, ao julgar ações de natureza previdenciária com objetivo de reconhecimento do tempo de serviço, o juiz trabalhista deve ter a cautela de adotar as mesmas providências que, pela lei, o juiz federal adotaria, exigindo das partes, pelo menos, o início de prova material.( Art. 852-D da CLT: “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerando o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.)” 

 

No que tange à atuação lesiva do INSS ao não reverter em proveito do trabalhador as contribuições recolhidas perante a Justiça do Trabalho, entendo que, embora o §6º do artigo 276 do Decreto nº 3.048 não tenha sido revogado, a situação poderá ser resolvida com a interpretação da nova incumbência atribuída ao INSS no artigo 5º, III, da Lei nº 11.457/2007, in verbis:

“Art. 5º. Além das demais competências estabelecidas na legislação que lhe é aplicável, cabe ao INSS:

(...)

III - calcular o montante das contribuições referidas no art. 2º desta Lei e emitir o correspondente documento de arrecadação, com vistas no atendimento conclusivo para concessão ou revisão de benefício requerido.”

 

Ora, a Justiça do Trabalho tem uma inegável função social, pela qual deve zelar, de modo que não pode permitir que seu aparelho seja usado exatamente no sentido contrário, servindo apenas de mero arrecadador de contribuições sem que as mesmas revertam em favor do trabalhador, o que lhe suprime ou retarda o direito de futura percepção de benefícios previdenciários. Para tanto, é recomendável que a própria sentença ou acordo trabalhista façam constar que as contribuições descontadas das verbas devidas ao reclamante sejam recolhidas ao INSS na inscrição do trabalhador, bem como a obrigação da autarquia previdenciária de retificação do salário-de-contribuição e dos dados do CNIS (Cadastro Nacional de Informações) para fins de repercussão nos benefícios previdenciários.

 

IV – Interesses antagônicos

 

Expostas as razões para se admitir a competência da Justiça do Trabalho para arrecadar as contribuições previdenciárias incidentes inclusive sobre o vínculo de emprego reconhecido em juízo, há de se destacar dois interesses antagônicos.

 

De um lado, surge o INSS ávido pelo incremento contínuo da arrecadação com o escopo de fazer frente ao seu déficit previdenciário, sem qualquer objetivo de repassar benefícios para o trabalhador. Desta forma, a autarquia previdenciária busca, com sucesso, utilizar-se da Justiça do Trabalho como grande fonte de arrecadação, razão pela qual defende sua competência arrecadatória.

 

Dados divulgados pelo TST apontam que no ano de 2005, apenas a Justiça do Trabalho arrecadou aos cofres da União R$ 2.092.845.510,54, sendo que a maior parcela do total arrecadado diz respeito às contribuições previdenciárias (recolhimento para o INSS) relativas às execuções de dívidas trabalhistas – R$ 990.635.687,16, demonstrando um aumento de 3% se comparado ao total arrecadado em 2004. Em segundo lugar, ficam os valores relativos ao recolhimento de imposto de renda (IR) sobre as sentenças trabalhistas: foram R$ 956.570.571,73, o que supera em 28% ao arrecadado em 2004. O pagamento de custas processuais e emolumentos chegou a R$ 143.048.240,00, enquanto as multas aplicadas pelas Delegacias Regionais do Trabalho somaram R$ 2.591.011,65.  

 

Dados mais recentes apontam que em 2006 somente a  Justiça do Trabalho de Minas Gerais arrecadou para a União Federal um total de R$ 212.881.326,00, sendo R$ 7.323.324,81 em custas processuais, R$ 85.705.007,71 em imposto de renda e R$ 119.853.080,47 em contribuições previdenciárias executadas, de ofício, pelos juízes trabalhistas e repassadas diretamente ao INSS.

 

Tais dados comprovam de maneira irrefutável a importância da Justiça do Trabalho para as diretrizes da política previdenciária nacional, bem como demonstram o interesse em se defender a competência desta Justiça Especializada em matéria arrecadatória.

 

Lado outro, a competência previdenciária trabalhista também desperta o interesse de fraudadores da previdência social, que buscam através da sentença trabalhista burlar a legislação e o regime previdenciário através de averbações irregulares de tempo de serviço mediante reclamações forjadas com o conluio das partes.

 

Marco Aurélio Lustosa Caminha descreveu o modus operandi da fraude:

“A fraude através de reclamação trabalhista é de fácil concretização. Consiste em o interessado na “obtenção” de tempo de serviço ajuizar reclamação trabalhista ou simples ação declaratória perante a Justiça do Trabalho, em face de uma determinada pessoa física ou jurídica. O pedido do autor nessa espécie de ação, quando dirigido contra um particular, visa a que este anote o suposto contrato na sua carteira de trabalho; e quando dirigido contra um ente público, é para que este, além de anotar a CTPS, forneça “certidão de tempo de serviço”. Uma vez notificado para a audiência e fazer sua defesa, o reclamado ou réu, que para esse efeito é mancomunado com o autor, deixa de contestar a ação ou comparece à audiência não para se defender, mas, ao revés, para fazer confissão expressa de que foi empregador do autor da ação, na forma e tempo alegados na petição inicial. A Justiça do Trabalho, ante tal circunstância (confissão), em regra tende a julgar a ação procedente e deferir o pedido do autor.

Assim, uma vez que esteja de posse da decisão reconhecendo a existência do “antigo emprego”, o primeiro fraudador (o autor da ação) facilmente poderá usá-la para efetuar os recolhimentos das contribuições “atrasadas”, em nome do suposto empregador (art. 12, I, a e b, da Lei n. 8.212, de 24.7.91), para o Regime Geral da Previdência Social. Feitos os recolhimentos ao INSS, torna-se viável a averbação do tempo de serviço objeto dos recolhimentos junto ao mencionado Regime de Previdência (ou seja, no INSS), o que por sua vez ocasiona a ampliação do tempo total de serviço e de contribuição do segurado, de modo a antecipar a implementação do tempo para que possa obter benefícios previdenciários próprios desse Sistema. Muitas vezes o fraudador age até de forma mais requintada, alegando a existência de um contrato de trabalho de uma antigüidade tal que seja impossível ao INSS apurar e constituir seus créditos, por já haver transcorrido o prazo decadencial, que é de 10 anos, conforme o art. 70, da Lei n. 8.212/91.” (CAMINHA, 1999, p. 48-51).

 

Ressalta-se, pois, a importância do juiz do trabalho adotar as mesmas providências que o juiz federal adotaria, observando a lei previdenciária e exigindo das partes a produção de prova material, para que sua sentença seja oponível contra o INSS sem que lhe fosse imputado o caráter fraudulento.

 

V - Conclusão

 

Quando a Justiça do Trabalho reconhece o vínculo de emprego e determina as anotações na CTPS do trabalhador, ela deve fazer valer sua sentença para todos os fins, principalmente aqueles relativos aos benefícios previdenciários, que somente são alcançados com a averbação do tempo de trabalho reconhecido e com o efetivo recolhimento das contribuições sociais devidas por todo o período trabalhado, pois não há benefícios sem a respectiva fonte de custeio. Tal conclusão fortalece o sistema previdenciário, confere densidade à norma trabalhista e reconhece a dignidade humana e o valor do trabalho, além de albergar um princípio basilar, a proteção do trabalhador.

 

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

BRAMANTE, Ivani Contini. Reconhecimento de vínculo empregatício e obrigações previdenciárias. Revista de Previdência Social. São Paulo, a. 31, nº 322, setembro/2007.

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. Efeitos da sentença trabalhista perante a previdência social ante a competência ampliada da Justiça do Trabalho. Revista de Previdência Social. São Paulo, a. 31, n.318, maio/2007.

________ Tempo de serviço declarado em decisão trabalhista: uma porta ainda aberta para a fraude contra a seguridade social. Revista do Ministério Público do Trabalho. Ano IX, nº 18, p. 48-51, setembro 1999.

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GONÇALVES, Odonel Urbano. Contribuição Social – execução na Justiça do Trabalho. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária.São Paulo, v.18, n.217, julho/2007.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTR, 2005.

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TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. A lei da super-receita e suas implicações no processo do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, v.45, n. 75, jan/jun 2007.

Sites www.tst.gov.br e www.mg.trt.gov.br