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A Incidência da Contribuição social para financiamento da seguridade social - COFINS - sobre a "Receita" das Entidades Fechadas de Previdência Privada

Débora Silva Melo - Advogada, formada pela PUC Minas, em agosto de 2006; advogada especialista em Direito Previdenciário; especialista em Direito Público - IEC - Puc Minas

Orientador: Prof. Roberto de Carvalho Santos.


 

1 – Introdução

 

O presente artigo visa a analisar o enquadramento das Entidades Fechadas de Previdência Privada no rol de contribuintes da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) à luz da principiologia que rege o Direito Tributário.

 

Para tanto, far-se-á uma breve exposição acerca do contexto histórico do surgimento da Seguridade Social em nosso ordenamento jurídico, passando, também, pela análise dos regimes previdenciários insertos na Constituição da República de 1988, traçando-se, por fim, as principais características das Entidades Fechadas de Previdência Privada.

 

Após, serão analisadas, brevemente, as razões da existência jurídica da COFINS, sua destinação, o conceito de faturamento e a possibilidade das Entidades Fechadas de Previdência Privada serem enquadradas como contribuintes da COFINS, à luz da principiologia que rege o Direito Tributário.

 

2 – O surgimento da Seguridade Social no ordenamento jurídico pátrio, bem como dos Regimes Previdenciários na Constituição da República de 1988.

 

A análise do contexto histórico do surgimento da Seguridade Social em nosso ordenamento jurídico certamente remete-nos ao exame do paradigma estatal do Estado Social de Direito, que surge como resposta à crise do modelo clássico, pertencente ao Estado Liberal, também chamado de Estado de Direito.  

 

O Estado Social de Direito, também denominado de Estado do Bem-estar Social ou Welfare State, fora caracterizado, primeiramente, pela intervenção do Estado na esfera econômica, como forma de se garantir, posteriormente, direitos sociais.

 

Com o intuito de minimizar as grandes desigualdades sociais e de conferir a toda sociedade a tão almejada igualdade material, o Estado precisava abandonar sua postura minimalista e passiva.

 

Afirma Torres que o Estado Social “É a era do Estado produtor, repartidor, distribuidor e distributivo, que não deixa à sorte dos indivíduos a sua situação social, mas vem auxiliá-los através de medidas positivas e de garantias efetivas”. (TORRES, 2001, p. 51).

 

Sob o ângulo jurídico, pode-se afirmar ser a Constituição a principal fonte programática do gigantesco Estado Social, que se caracteriza por uma nova concepção de direitos fundamentais, que compreende os direitos sociais, econômicos, coletivos e culturais, também chamados de direitos de segunda geração.

 

Têm-se como direitos sociais os direitos relacionados à saúde, ao trabalho, à educação e à previdência. A assunção de tais direitos pelo Estado consiste na tentativa de o Estado Social realizar a igualdade substancial, que não fora obtida pelo Estado Liberal.

 

Revela Netto que “De fato, neste período, o Estado começou a intervir em setores anteriormente deixados à livre iniciativa dos particulares por meio de ações concretas, prestações” (NETTO, 2005, p. 55).

 

Assim, o “Estado social significa intervencionismo, patronagem, paternalismo” (BONAVIDES, 2001, p. 203), mormente pelo fato de que o Estado passa a tutelar tudo o que diz respeito à esfera social e que, antes, pertencia, em grande parte, ao campo da iniciativa individual.

 

Desse modo, a garantia de efetivação dos direitos sociais, incluída aí as três áreas que compreendem a Seguridade Social (Saúde, Assistência Social e Previdência Social), corresponderia a um dever estatal. 

 

Entretanto, embora o Estado Social tenha logrado êxitos que o Estado Liberal dificilmente teria alcançado,

...as duas últimas décadas do século marcaram a crise de sua legitimidade e realização, sobretudo, em virtude do desfalque nas finanças públicas que o crescimento estatal acelerado criou, da inflação, do desemprego, da desmistificação, da inesgotabilidade dos recursos do Estado, do inchaço da burocrática máquina administrativa, etc. (TORRES, 2001, p. 57)

 

O Estado com a quebra dos orçamentos revelou-se incapaz de atender a todas as demandas que lhe foram submetidas, deixando de ser, também, o elemento decisivo na integração social de um país.   

 

Assim, verifica-se que as crises enfrentadas pelo Estado Social, sobretudo, em relação à insuficiência financeira dos orçamentos estatais, a ineficiência da máquina estatal e a gradual restrição da liberdade dos indivíduos, revelaram-se determinantes na transformação do novo paradigma estatal que viria a emergir.

 

Surge, então, o paradigma do Estado Democrático de Direito como recurso alternativo à superação dos problemas enfrentados pelo modelo estatal do Estado Social, na tentativa de se continuar prestando serviços sociais essenciais, com o auxílio, agora, da sociedade civil (iniciativa privada), bem como se fazer concretizar, efetivamente, os direitos fundamentais individuais e sociais, assegurados, constitucionalmente, pelos paradigmas estatais anteriores. 

 

Nesta acepção é que a Constituição da República de 1988 (CR/88) dispõe que a Seguridade Social, segundo leciona Maria da Glória Chagas Arruda:

...é o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social, tendo como objetivo fundamental a preservação do primado do trabalho e o alcance do bem-estar e a justiça social, garantido vida digna ao ser humano. (CHAGAS ARRUDA, 2004, p. 26-27)

 

O Título VIII, da CR/88, regulamenta a Ordem Social sendo que o seu Capítulo II é destinado a dispor sobre a Seguridade Social, onde suas disposições gerais estão entre os artigos 194 e 195, possuindo o direito à saúde previsão nos artigos 196, 197, 198, 199 e 200, o direito à previdência social nos artigos 201 e 202 e o direito à assistência social nos artigos 203 e 204.

 

Para os fins do presente artigo, interessa-nos, tão-somente, discorrer, ainda que brevemente, acerca do direito à previdência, que, nos termos da CR/88, possui três níveis diferenciados de proteção social, quais sejam, o Regime Geral de Previdência Social – RGPS – que possui previsão constitucional no artigo 201, encontrando-se regulamentado por meio das Leis 8.213 e 8.212, ambas de 24/07/1991, que, respectivamente, dispõem sobre o Plano de Benefícios e o Plano de Custeio, os Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS – aplicados aos servidores públicos efetivos, possuindo previsão constitucional no artigo 40 e o terceiro e último nível, este sim objeto de estudo do presente artigo, refere-se ao Regime de Previdência Complementar, previsto no artigo 202, da CR/88, cuja regulamentação ocorreu por força da edição das Leis Complementares nos 108/2001 e 109/2001.

 

Tal regime baseia-se na constituição de reservas matemáticas, sobretudo feita por indivíduos interessados em poupar, para fins de eventuais infortúnios ou mesmo para o caso de alcance da velhice tendo por escopo complementar o valor pago pela Previdência Social básica, embora os dois regimes sejam autônomos e não se condiciona o recebimento de um benefício de previdência complementar a um benefício do regime previdenciário básico e público.

 

3 – O Regime de Previdência Complementar: uma análise das Entidades Fechadas de Previdência Privada.

 

Inicialmente, cumpre esclarecer que o Regime de Previdência Complementar, comumente denominado de Previdência Privada, deve refletir um caráter complementar e facultativo, razão pela qual é regido e disciplinado por legislações autônomas relativamente ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e aos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), embora se constitua, também, como mais um mecanismo de proteção social, integrando, por óbvio, o sistema constitucional de Seguridade Social, uma vez que objetiva proporcionar bem-estar aos indivíduos e, por conseqüência, a toda coletividade.

 

Mesmo possuindo a característica de ser complementar ao regime de Previdência Oficial prestado pelo Estado, existem vários registros históricos que atestam o nascimento da Previdência Complementar antes mesmo da instituição e regulamentação da Previdência Oficial. Cite-se como exemplo o “Alvará Português”, uma espécie de seguro privado, datado de 22/11/1684 e, também, o Montepio dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha, datado de 02/09/1795.

 

Nesse sentido, consoante leciona Balera (1989), é que surge a instituição do Regime de Previdência Complementar, de caráter supletivo, em relação ao RGPS e ao RPPS, que, por sua vez, não conseguem proporcionar planos de proteção que atendam às demandas daquela parcela da sociedade, cujas rendas ultrapassam os limites de proteção estabelecidos pelos respectivos regimes, obrigando esta parcela da sociedade a sobreviver com recursos financeiros muito aquém daqueles considerados como mínimos para garantir-lhe uma subsistência digna.

 

Aqui, é possível perceber mais duas outras características que possibilitam distinguir a Previdência Social da Previdência Complementar, quais sejam, a contratualidade e a facultatividade, pois é cediço que a Previdência Social, mesmo revelando algumas falhas em seu sistema de proteção, tal como a acima narrada, é instituída por lei, de adesão compulsória, sendo custeada pelo Poder Público, pelas empresas e pelos empregados.

 

As entidades que poderão gerir o Regime de Previdência Complementar classificam-se em fechadas e abertas, sendo ambas regulamentadas pela Lei Complementar nº 109/2001, bem como submetidas ao regime jurídico de direito privado.

 

Em razão do objeto de estudo do presente artigo, analisaremos apenas as características das Entidades Fechadas de Previdência Privada.

 

A Previdência Complementar, constituída sob a modalidade de entidade fechada, deve ser criada sem o intuito de obter finalidade lucrativa, estando, pois, acessível aos empregados de determinada empresa ou grupo de empresas, bem como aos seus associados ou membros de pessoas jurídicas, de caráter profissional, classista ou setorial, estando sujeita à regulação e fiscalização exercidas pelo Ministério da Previdência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão de Previdência Complementar e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC).

 

Como as Entidades Fechadas de Previdência Privada devem possuir finalidade ausente de qualquer intento lucrativo, o objetivo primordial destas consiste em preservar o padrão de vida anterior à inatividade, bem como prestar toda assistência solicitada por seus beneficiários, pois, visam, tão-somente, complementar os benefícios previdenciários, concedidos pela Previdência Social, integrando, dessa forma, o Sistema de Seguridade Social. Há, portanto, no âmbito das Entidades Fechadas de Previdência Privada uma inequívoca presença da solidariedade.

 

Deste modo, devem ser organizadas sob a forma de sociedades civis ou fundações, cujo patrimônio é todo destinado à concessão e manutenção dos benefícios previdenciários.

 

Relativamente à forma de custeio dos benefícios previdenciários concedidos pelas Entidades Fechadas de Previdência Privada, há que se esclarecer que esta é feita pelos próprios participantes e, também, pelo patrocinador, que, não raras vezes, contribui para a formação da reserva financeira em igual valor ou até mesmo em dobro daquele poupado pelo participante.  A CR/88 (art. 202, § 4º) proíbe que a União, Estados, Municípios, DF, autarquias ou fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, aportem, como patrocinadores, valor superior à contribuição normal do participante.

 

As contribuições realizadas pelos próprios participantes constituem as reservas que garantiram os benefícios a serem usufruídos pelos mesmos. Como ocorre na Previdência Oficial, o participante sofre em sua remuneração descontos que serão vertidos ao fundo de pensão de que é beneficiário.

 

Segundo Ana Paula Oriola de Raefray

Os valores aplicados para o custeio do plano previdenciário são provenientes das contribuições dos participantes e de suas provedoras, desta feita, os valores relativos aos rendimentos outros percebidos, não se caracterizam como receita disponível, lucro ou faturamento.  (TAVEIRA TÔRRES (Coord.), 2005, p. 541)

 

Feita esta breve análise acerca das principais características das Entidades Fechadas de Previdência Privada, passemos à verificação da possibilidade de incidência da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS sobre as receitas de tais entidades.

 

4 – A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS: uma palavra sobre as razões de sua existência jurídica, sua destinação, o conceito de faturamento e a (im)possibilidade das Entidades Fechadas de Previdência Complementar serem enquadradas como contribuintes da COFINS.

 

A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, originariamente, foi instituída no ordenamento jurídico pátrio através do Decreto-Lei nº 1.940, de 25/05/1982 (espécie normativa hoje inexistente em nosso ordenamento jurídico), que instituía e regulamentava o FINSOCIAL, espécie tributária incidente sobre a receita bruta das empresas comerciais, sociedades seguradoras e instituições financeiras e sobre o imposto de renda devido pelas empresas prestadoras de serviços.

 

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, o FINSOCIAL foi provisoriamente recepcionado através do art. 56, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Entretanto, pouco tempo depois o Supremo Tribunal Federal houve por declarar a inconstitucionalidade da contribuição para o FINSOCIAL, o que obrigou o Poder Legislativo a editar a Lei Complementar nº 70, de 30/12/1991, através da qual foi instituída a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, que, nos termos do art. 195, I, da CR/88, estabeleceu que o produto de sua arrecadação seria destinado a compor o orçamento da Seguridade Social.

 

Desse modo, tem-se que a finalidade da referida contribuição social é a de custear a Seguridade Social, ou seja, contribuir para a diminuição da pobreza e o conseqüente aumento do padrão de vida de todos os cidadãos, em suma, promover justiça social, impedindo que os cidadãos sejam acometidos por necessidades e infortúnios.

 

            Para Ana Paula Oriola de Raefray

As Entidades Fechadas de Previdência Privada, apesar de serem indevidamente equiparadas às outras pessoas jurídicas discriminadas no § 1º, do artigo 22, da Lei nº 8.212, de 1991, não estavam obrigadas a efetuar o recolhimento da COFINS, uma vez que o parágrafo único, do artigo 11, da Lei Complementar nº 70, de 1991, às excluíram de efetuarem o pagamento de tal exação.

(TAVEIRA TÔRRES (Coord.), 2005, p. 547)

 

Em 1998, com a Lei nº 9.718, de 2711/1998, alterou-se a base de cálculo da COFINS, para que a referida exação incidisse sobre todas as receitas auferidas pelas pessoas jurídicas de direito privado e não mais sobre o faturamento. A partir de 1998, as Entidades Fechadas de Previdência Privada foram definitivamente consideradas contribuintes da COFINS.

 

Porém, vários vícios de constitucionalidade foram ventilados acerca da Lei nº 9.718, de 27/11/1998, o que obrigou o constituinte derivado a editar a Emenda Constitucional nº 20, de 16/12/1998, que operou uma modificação no inciso I, do art. 195, da CR/88 para estender a relação de contribuintes das aludidas contribuições sociais, devidas, agora, não só pelos empregadores, mas, também, pela empresa e pela entidade a ela equiparada na forma da lei, bem como para estender a base de cálculo da exação, incluindo junto com o faturamento também todas as receitas auferidas pelas empresas.

 

Ao incluir as empresas e as entidades a elas equiparadas, na forma da lei, no rol de contribuintes da espécie tributária inserta no inciso I, do art. 195, da CR/88, a Emenda nº 20 serviu de espeque para que as Entidades de Fechadas de Previdência Privada fossem configuradas como empresas, assumindo a obrigação tributária de proceder ao recolhimento da COFINS, obrigação esta que se revela paradoxal à própria finalidade assumida por tais entidades em nosso contexto político-social, conforme adiante será demonstrado.

 

Um dos fundamentos para se proceder à mudança legislativa consistiu na ausência de definição legal do conceito de faturamento, haja vista que os doutrinadores tributaristas entenderam que o instituto jurídico do faturamento estaria afeto ao ramo do Direito Comercial. Nesse sentido, a jurisprudência firmou o entendimento de que o termo faturamento refere-se ao produto das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, incluídas aí, também, as vendas a prazo mas, jamais alcançaria todas as receitas financeiras auferias pelas pessoas jurídicas (STF - RE nº 150.755 – PE RTJ 149/259).

 

Em que pese a discussão acerca do conceito legal de faturamento, objetiva o presente estudo analisar se as receitas das Entidades Fechadas de Previdência Privada poderiam ser tributadas à luz da Lei Complementar nº 70/1991, haja vista que o termo receita revela-se bastante genérico.

 

Ora, em primeiro lugar, o que deve ser salientado é que as Entidades Fechadas de Previdência Privada “são gestoras de poupanças previdenciárias, estas constituídas por contribuições vertidas e também pela rentabilidade engendrada pelos investimentos dessas contribuições” (TAVEIRA TÔRRES (Coord.), 2005, p. 549).

 

Desse modo, tem-se que a receita das Entidades Fechadas de Previdência Complementar é composta pelas contribuições dos participantes e dos patrocinadores, não podendo ter finalidade lucrativa, razão pela qual a receita de tais entidades, vista sob a ótica mercantil, jamais poderia se enquadrar perfeitamente ao conceito de faturamento ou receita bruta, pois, não se trata de receita própria. A finalidade de tais entidades é, apenas, gerir poupanças alheias com o objetivo de suplementar os benefícios da Previdência Oficial, percebidos pelos participantes do fundo de pensão, garantindo-lhes uma subsistência mais digna.

 

Ana Paula Oriola de Raefray leciona que os ativos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar

compõem o patrimônio financeiro da entidade, constituindo-se na verdade, em reservas técnicas que devem estar sempre disponíveis para cobertura do cumprimento de suas obrigações institucionais assumidas contratualmente com os participantes e provedoras.

(TAVEIRA TÔRRES (Coord.), 2005, p. 551)

 

Tanto é assim que a própria Lei Complementar nº 109/2001, de 29/05/2001, ao revogar a Lei nº 6.435/1977, trouxe em seu artigo 20 as seguintes disposições referentes aos superávits:

Art. 20 – O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício financeiro, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.

 

Feitas tais considerações, resta analisarmos se a Entidade Fechada de Previdência Privada pode assumir a condição de sujeito passivo da obrigação tributária prevista pela Lei Complementar nº 70/1991, que em seu artigo 1º preceitua que a COFINS é devida pelas pessoas jurídicas e as a ela equiparadas pela legislação do imposto de renda e em seu artigo 2º preceitua que a base de cálculo da referida exação será o faturamento, assim considerado como a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

 

Ora, tal análise é simples e deverá levar em consideração a principiologia que rege o Direito Tributário.

 

Embora exista em nosso ordenamento jurídico o Decreto nº 4.524, de 17/12/2002, que prevê, para efeito de apuração da base de cálculo da COFINS, algumas hipóteses em que as Entidades Fechadas de Previdência Privada poderiam excluir ou até mesmo deduzir do valor apurado a título de receita bruta a parcela das contribuições destinada à constituição de provisões ou reservas técnicas e os rendimentos auferidos nas aplicações de recursos financeiros destinados ao pagamento de benefícios de aposentadoria, pensão, pecúlio e de resgate, o que se pretende defender no presente estudo é que tais entidades não poderiam sequer assumir a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, prevista pela Lei Complementar nº 70/1991, em razão da violação aos princípios constitucionais que se seguem.

 

Primeiramente, considerando-se que o fato gerador da obrigação tributária referente à COFINS consiste no faturamento mensal, assim considerado como a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza, temos que as terminologias empregadas para descrever a situação legal que enseja a cobrança da referida exação são demasiadamente genéricas, do ponto de vista contábil, o que por si só já seria suficiente para violar o Princípio da Tipicidade Cerrada, que exige a determinação exaustiva das características consideradas necessárias a definir o fato gerador da obrigação tributária, sob pena de afetar a segurança jurídica que deve permear toda e qualquer relação jurídica.

 

Outro princípio que merece ser invocado, para demonstrar que as Entidades Fechadas de Previdência Privada não podem assumir a condição de sujeito passivo da obrigação tributária prevista pela Lei Complementar nº 70/1991, é o Princípio da Vedação de Tributo Confiscatório, pois, consoante se demonstrou, tais entidades são, apenas, gestoras de poupanças alheias, sendo que as contribuições vertidas pelos participantes e patrocinadores, bem como a rentabilidade de tais contribuições, não integram o patrimônio dos fundos de pensão, devendo sempre estar disponíveis para cobertura do cumprimento de suas obrigações institucionais assumidas contratualmente com os participantes e provedoras.

 

A intenção do legislador, de fato, foi a de tributar o montante faturado que corresponda única e exclusivamente aos valores efetivamente auferidos pelo suposto contribuinte e, como no caso das Entidades Fechadas de Previdência Privada tais valores não integram o seu patrimônio jurídico, a inserção de tais entidades no rol de contribuintes da COFINS configura verdadeiro confisco.

 

Outrossim, a permanência das Entidades Fechadas de Previdência Privada no rol de contribuintes da COFINS também enseja violação ao Princípio da Capacidade Contributiva, que é corolário do Princípio da Isonomia e correlato ao Princípio da Vedação de Confisco, pois tais entidades foram equiparadas a pessoas jurídicas que exercem atividades distintas, recebendo do legislador um tratamento dispensado a entidades que atuam, por exemplo, no setor financeiro.

 

A equiparação das Entidades Fechadas de Previdência Privada com outras entidades que possuem finalidade distinta viola o Princípio da Isonomia, pois, na medida em que tais entidades atuam no sentido de complementar a Previdência Oficial, sem perseguir qualquer finalidade lucrativa, inclusive submetendo-se ao controle normativo do Conselho de Gestão de Previdência Complementar e à fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), deveria o legislador dispensar um tratamento diferenciado a tais entidades, que sequer podem ter sua capacidade contributiva equiparada a de outras entidades que objetivam lucro.

 

Isso porque o Princípio da Isonomia inclui em sua ratio legis a norma que autoriza um tratamento desigual aos que se encontram em situação desigual/distinta, o que deveria ocorrer no caso das Entidades Fechadas de Previdência Privada, que jamais poderiam ter sua capacidade contributiva equiparada a de outras entidades com finalidade lucrativa, seja porque não visam lucro, seja porque atuam em complementação ao Sistema Oficial, que, como se sabe, não poderia autotributar-se.

 

Em que pesem as idéias aqui ventiladas, mister ressaltar a existência de posicionamento jurisprudencial em sentido contrário à tese ora defendida, que considera que as Entidades Fechadas de Previdência Privada estão obrigadas ao “pagamento da COFINS sobre a receita operacional, ou seja, sobre os valores relativos às receitas diretamente ligadas a atividade principal da empresa” (TRF da 1ª Região – 7ª Turma – Agravo de Instrumento nº 2007.01.00.028002-6 – UF: DF – Des. Rel. Antônio Ezequiel da Silva – DJ: 14/12/2007).

 

5 – Conclusão

 

O que se percebe, em verdade, é que o legislador não soube, não conseguiu ou por razões políticas não quis delimitar coerentemente a finalidade das contribuições sociais, pois a inserção das Entidades Fechadas de Previdência Privada no rol de contribuintes da COFINS, além de violar os princípios constitucionais acima mencionados, obstaculiza o bom funcionamento da Previdência Complementar e coloca em xeque o postulado da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

  


6 – Referências

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 512p.

BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2001. 230p.

CHAGAS ARRUDA, Maria da Glória. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo: LTr, 2004. 230p.

MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 406p.

NETTO, Luísa Cristina Pinto e. A contratualização da função pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 324p.

TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 308p.

TÔRRES, Heleno Taveira. (Coord.). Tributação nos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 607p.